O livro “Latim em Pó”, de autoria de C. Galindo e publicado em 2022, conhecido por seu trabalho na área de linguística e por sua abordagem crítica e esclarecedora em relação à evolução da língua portuguesa, sua relação com o latim e a influência africana em sua formação. O livro aborda questões relacionadas à história da língua portuguesa, sua diversidade, mudanças ao longo do tempo e a contribuição de diferentes grupos étnicos para sua evolução, com foco especial na influência africana.
O objetivo desta resenha é fornecer uma análise estruturada e detalhada do livro “Latim em Pó”. Serão discutidos os principais temas e argumentos do autor, a influência africana na formação do português brasileiro, a evolução da língua portuguesa, questões de preconceito linguístico e a importância da diversidade linguística. A resenha também destacará a relevância do livro para a compreensão da história e evolução da língua portuguesa no Brasil.
Resumo do Livro
O livro explora diversos temas e argumentos, incluindo: Origens da Língua Portuguesa: O autor discute como o português é uma língua derivada do latim vulgar, enfatizando que o português não provém diretamente do latim clássico, mas sim da língua dos excluídos e das camadas mais humildes da sociedade romana; Influência Africana: Galindo destaca a influência africana na formação do português brasileiro, demonstrando como a presença de escravizados africanos contribuiu para a diversidade linguística e cultural da língua no Brasil; Evolução da Pronúncia: O livro explora a evolução da pronúncia ao longo do tempo, mostrando como certas palavras e sons sofreram mudanças ao longo dos séculos;
Preconceito Linguístico: O autor aborda o preconceito linguístico, ressaltando que todas as línguas têm sua legitimidade e que a diversidade linguística é um reflexo da complexidade da sociedade; Diversidade Linguística: O livro enfatiza a diversidade linguística presente no Brasil, destacando como diferentes grupos étnicos e sociais contribuíram para a riqueza da língua portuguesa no país; Impacto da Colonização: Galindo explora como a colonização portuguesa e o tráfico de escravizados africanos moldaram o português brasileiro, tornando-o único e multifacetado.
Análise e Discussão
“Latim em Pó” é uma obra que explora profundamente a evolução da língua portuguesa, suas origens e influências, bem como questões relacionadas à diversidade linguística e ao preconceito linguístico. Abaixo, destacam-se os principais tópicos e argumentos do autor, apoiados por exemplos e citações relevantes do livro:
Origens da Língua Portuguesa
O autor enfatiza que o português não deriva diretamente do latim clássico, mas do latim vulgar, a língua falada pelas camadas mais humildes da sociedade romana. Galindo ressalta que o português é uma das línguas românicas e compartilha sua origem com outras línguas europeias, todas derivadas do latim vulgar:
A língua dos sonetos de Camões pareceria uma barbaridade para um usuário da forma clássica da língua de Roma . Isso porque , como dizia o próprio Camões , uma das maiores verdades da condição humana é que tudo muda o tempo todo. Mas é bom não esquecer que no mesmíssimo poema Camões termina reclamando […]
(GALINDO, 2022, p.22)
Influência Africana no Português Brasileiro:
O autor explora a influência dos escravizados africanos na formação do português brasileiro. Destaca como palavras, expressões e aspectos gramaticais foram incorporados ao português por meio das línguas africanas: Apesar das adversidades, foi a língua falada por negros e mestiços que dominou o Brasil . Somos um país que fala português como fruto direto da presença negra (GALINDO, 2022, p.138)
Evolução da Pronúncia:
Galindo analisa como a pronúncia das palavras evoluiu ao longo dos séculos. Fornece exemplos de palavras que sofreram alterações fonéticas, demonstrando como a língua é dinâmica:
A forma color aparece inicialmente , depois se transforma em coor . E nós sabemos , até por registros mais tardios em poemas , nos quais se pode saber como o poeta quer que você conte as sílabas dos versos , que durante séculos a pronúncia manteve essas duas vogais : co – or . Só mais tarde ocorreu a fusão das duas vogais iguais, provavelmente primeiro com a pronúncia cór e depois com nosso modo de falar atual , cor . E o mesmo fenômeno acontece com dezenas de outras palavras . Dolor virando dor , calente virando caente e depois quente
(GALINDO, 2022, p.67)
Além disso, o autor critica o preconceito linguístico e defende que todas as formas de expressão linguística são legítimas. Argumenta que a diversidade linguística reflete a complexidade da sociedade, “Talvez caiba deixar de lado por um momento a bela ideia da ‘última flor do Lácio’. O português brasileiro foi um broto africano, flor de Luanda (GALINDO, 2022, p.138)
Diversidade Linguística no Brasil:
Galindo destaca a riqueza da diversidade linguística presente no Brasil, influenciada por diferentes grupos étnicos e sociais. Argumenta que essa diversidade é uma característica única e valiosa do português brasileiro:
Se é para pensarmos no português brasileiro como algo que se encontra num caldeirão, é preciso reconhecer quanto o conteúdo desse caldeirão teve que ser mexido e remexido para produzir a nossa atual paisagem linguística . E é preciso reconhecer também que os primeiros e mais importantes desses movimentos foram determinados pela grande massa de falantes africanos que iam carregando e modificando essa língua durante todo o processo . Refundado e recaracterizado por eles
(GALINDO, 2022, p.138)
O autor, ainda, aborda a ameaça de extinção de idiomas, incluindo línguas indígenas e africanas no Brasil, destacando a importância de preservar e valorizar a diversidade linguística:
A humanidade vive hoje uma crise ecológica linguística . Estima-se que pelo menos metade dos 7 mil e tantos idiomas em uso no mundo desapareça até o final do século . E essa é a estimativa conservadora. Segundo alguns dados , uma língua pode estar morrendo a cada quinze dias no mundo , e para vários especialistas o Brasil é um dos lugares em situação mais precária para o risco de extinção de idiomas
(GALINDO, 2022, p. 121)
Impacto da Colonização e do Tráfico de Escravizados:
O autor explora como a colonização portuguesa e o tráfico de escravizados africanos moldaram o português brasileiro, tornando-o único e multifacetado. Argumenta que a diversidade linguística é resultado desses movimentos históricos, alertando para a crise ecológica linguística que o mundo enfrenta, com muitas línguas em risco de extinção, incluindo idiomas indígenas e africanos no Brasil. Ele explora detalhadamente como os grupos étnicos africanos, em particular os iorubás e os quimbundos, contribuíram para a linguagem brasileira ao longo dos séculos. Galindo aponta que muitas palavras do vocabulário brasileiro têm raízes nas línguas africanas trazidas pelos escravizados. Por exemplo, palavras como “orixá” e “quitanda” têm origem nas línguas iorubá e quimbunda, respectivamente. Esses termos foram incorporados ao português brasileiro e continuam a ser usados na atualidade, evidenciando a influência africana na linguagem.
Além do léxico, o autor também explora como a pronúncia e a fonética do português brasileiro foram moldadas pela influência africana. Galindo argumenta que a musicalidade e as características de entonação presentes na fala brasileira podem ser atribuídas em parte às línguas africanas, principalmente ao iorubá e aos ritmos presentes em suas culturas. O autor não se limita apenas à língua, mas também aborda a influência cultural e religiosa africana no Brasil. Ele destaca como práticas religiosas como o Candomblé e a Umbanda têm raízes africanas profundas e influenciaram a espiritualidade e as crenças dos brasileiros, o que consequentemente impactou a linguagem.
Em suma, Galindo reconhece que a influência africana na linguagem brasileira não é homogênea, mas varia regionalmente. Ele menciona que a contribuição linguística dos africanos foi mais marcante em algumas regiões, como o Nordeste, onde a presença de escravizados de origem iorubá era mais expressiva. Isso resultou em variações regionais na linguagem que refletem essa influência. O autor também enfatiza como a herança linguística e cultural africana continua viva no Brasil. Ele argumenta que, ao reconhecer e valorizar essa influência, os brasileiros estão reconectando-se com suas raízes e construindo uma identidade linguística e cultural mais rica e diversificada.
Evolução da Língua Portuguesa
O autor Caetano Galindo aborda de maneira abrangente a evolução da língua portuguesa ao longo do tempo em seu livro “Latim em Pó: Um passeio pela formação do nosso português.” Ele examina diversos fenômenos linguísticos que contribuíram para a transformação da língua e a configuração do português brasileiro. Alguns desses fenômenos incluem:
Fusão de Vogais e Mudança na Pronúncia: Galindo explora a fusão de vogais ao longo da história do português, mostrando como palavras que anteriormente tinham duas vogais distintas passaram a ser pronunciadas com uma única vogal. Um exemplo citado é a palavra “cor,” que passou por uma série de mudanças na pronúncia ao longo dos séculos. Essas mudanças são analisadas em detalhes para ilustrar como a língua evoluiu foneticamente.
Mudanças Lexicais: Além das mudanças fonéticas, o autor também aborda as mudanças lexicais ao longo do tempo. Ele examina como as palavras foram emprestadas de outras línguas, especialmente o latim, e como algumas delas evoluíram para se tornar parte do vocabulário português.
Variações Regionais: Galindo discute as variações regionais dentro do português brasileiro e como essas diferenças surgiram ao longo do tempo. Ele ressalta que a vastidão geográfica do Brasil resultou em uma variedade de sotaques e expressões linguísticas, que são reflexos das influências culturais e históricas de diferentes regiões.
Quando se trata de preconceito linguístico na sociedade brasileira, o autor é muito crítico em relação à ideia de uma norma gramatical rígida e como isso afeta a percepção das diferentes formas de falar. Ele argumenta que a gramática prescritiva muitas vezes estigmatiza variedades linguísticas que não se encaixam em padrões considerados “corretos”. Galindo enfatiza que a língua é dinâmica e sempre esteve sujeita a mudanças ao longo do tempo, portanto, a ideia de uma norma imutável não é realista. O autor também destaca como a discriminação linguística pode ser usada como uma forma de poder e controle social. Ele argumenta que a elite dominante muitas vezes usou a norma gramatical como uma ferramenta para marginalizar e desvalorizar as formas de falar das classes mais baixas e das populações afrodescendentes. Isso contribuiu para a perpetuação do preconceito linguístico no Brasil.
Considerações Finais
“Latim em Pó: Um passeio pela formação do nosso português” de Caetano Galindo é uma obra fascinante que mergulha profundamente na história e evolução da língua portuguesa. O autor apresenta uma narrativa envolvente que desmistifica muitos mitos sobre a língua e lança luz sobre sua rica e complexa formação. Nesta seção de considerações finais, irei analisar criticamente a obra e discutir sua relevância prática para o ensino da língua portuguesa em países de língua portuguesa. Em primeiro lugar, Galindo realiza um trabalho admirável ao desconstruir a ideia de que existe uma única “norma” gramatical fixa e imutável para o português. Ele demonstra que a língua é um organismo vivo que evolui constantemente ao longo do tempo e que a diversidade de sotaques e formas de falar é uma característica natural e enriquecedora. Isso tem implicações significativas para o ensino da língua portuguesa, pois desafia a abordagem prescritiva tradicional que muitas vezes desvaloriza variações linguísticas.
Além disso, Galindo destaca a influência de grupos étnicos africanos, como os iorubás e quimbundos, na formação do português brasileiro. Ele mostra como elementos linguísticos e culturais desses grupos contribuíram para a riqueza do vocabulário e das expressões brasileiras. Isso abre oportunidades para abordar a diversidade cultural e étnica do Brasil nas aulas de língua portuguesa, promovendo uma compreensão mais profunda da história do país.
No contexto do ensino de língua portuguesa, a obra de Galindo sugere uma abordagem mais inclusiva e flexível, na qual os estudantes são encorajados a explorar as diferentes variedades da língua e a compreender as razões históricas e socioculturais por trás delas. Isso pode ajudar a combater o preconceito linguístico, pois os estudantes aprenderão a valorizar todas as formas de falar e a reconhecer que não existe uma única maneira “correta” de se comunicar em português.
Em termos práticos, os educadores de língua portuguesa podem incorporar os insights de Galindo em suas aulas, criando um ambiente de aprendizado que celebra a diversidade linguística e cultural. Isso pode incluir atividades que exploram regionalismos, sotaques e expressões idiomáticas de diferentes partes do mundo de língua portuguesa. Além disso, os professores podem usar exemplos da obra de Galindo para ilustrar como a língua está em constante evolução e como as mudanças linguísticas são naturais.
Em suma, “Latim em Pó” é uma obra valiosa que não apenas lança luz sobre a fascinante história da língua portuguesa, mas também oferece insights práticos para o ensino da língua. Ao abraçar a diversidade linguística e cultural, os educadores podem criar um ambiente de aprendizado mais inclusivo e enriquecedor para os estudantes de língua portuguesa em todo o mundo.
REFERÊNCIAS
GALINDO, C. Latim em pó. Editora Schwarcz, 1ª edição, São Paulo-SP, 2022.
