Capítulo 4: Uma Experiência com o Trabalho Livre

Em 1843, Nicolau Vergueiro, antevendo o gradual declínio da força escrava se a proibição do tráfico de escravos africanos se tornasse efetiva, decidiu tentar importar trabalhadores livres europeus. Gracas à sua influência, o Ministério liberal do Visconde de Macaé incluiu no orçamento do Império uma autorização de 200.000 mil-réis para empréstimos por parte dos governos provinciais a quaisquer pessoas que desejassem trazer trabalhadores imigrantes para as lavouras.

Hercule Florence. Vista do Sítio chamado Ibicáva, 1830, aquarela e nanquim sobre papel – 22,1 x 29,8 cm

Como se veria, Vergueiro seria o único a fazê-lo, em todo o pais. Recebeu da província de São Paulo, um empréstimo por três anos, livre de juros, a fim de cobrir as despesas de transporte de mil imigrantes. A primeira leva de 64 famílias alemãs, num total de 432 pessoas, da Prússia, Baviera e Holstein, chegara à fazenda Ibicaba em Limeira, em 1847, justamente quando sua plantação de café estava começando a produzir.

A introdução de europeus para trabalhar na lavoura constituia um significativo triunfo para Vergueiro. Ainda que o governo imperial já estivesse empenhado em promover a imigração de europeus, até então seguira uma política de colonização por meio de pequenas propriedades em terras da coroa, principalmente na provincia limitrofe do Rio Grande do Sul. Este esforço destinava-se mais ou menos deliberadamente a dar início a transformação da agricultura brasileira em um sistema de campesinato livre, que se considerava mais produtivo que o das grandes lavouras, e atenuar a importância do elemento africano na população, que era visto como cultural e racialmente inferior. As colônias oficiais, porém, não tinham tido muito êxito. Eram em geral localizadas longe dos mercados urbanos, e a própria iniciativa fora insuficientemente financiada.

Além disso, o Rio Grande do Sul estava exposto à guerras de fronteira e revoluções internas que não terminaram antes de 1852. Apesar disso, a perspectiva de uma ecônomia de lavradores livres, mesmo numa provincia ainda mal explorada, alarmava os fazendeiros do Rio de Janeiro e São Paulo. Vergueiro, em memorando ao governo, já em 1828 justificava um método inteiramente diferente de encorajar a imigração. Colônias oficiais, queixava-se ele eram contrárias ao liberalismo econômico; o governo deveria interferir tão pouco quanto possivel num processo de imigração que deveria ser espontaneo. Colônias da coroa desperdicavam fundos públicos em administração, supervisão e estradas, sem que se obtivessem rendimentos tributáveis em prazo curto. As fazendas seriam um lugar melhor para a assimilação dos imigrantes. Ali eles aprenderiam as técnicas agricolas locais, acostumar-se-iam com o clima, incorporariam os costumes brasileiros e se misturariam, por meio do casamento, com a população nativa. Nas grandes propriedades eles, em POUCOS ANOS, ganhariam o suficiente para pagar as suas despesas de transporte e comprar pequenas propriedades.

Mapa de sesmarias por Nicolau Vergueiro. (Forjaz, 1924, p. 106). Não consta na publicação a data de confecção do mapa, mas Forjaz diz que é de autoria do próprio Nicolau Vergueiro, o que o faz ser anterior a 1859, ano da morte do senador.

Experimento com trabalhadores portugueses: Antes de tentar importar trabalhadores alemães, Vergueiro havia feito uma tentativa com trabalhadores portugueses. Alguns deles eram alojados em condições semelhantes às dos escravos, recebendo menos do que os jornaleiros habituais. Outros eram rendeiros, vivendo em casas separadas e trabalhando nos campos, sob supervisão. O primeiro grupo de trabalhadores portugueses se dispersou durante a revolta liberal de 1842. Embora Vergueiro tenha insinuado que a repressão governamental tenha sido responsável, é mais provável que os trabalhadores tenham fugido ou evitado serem recrutados pelas tropas.

Assim a transformação da agricultura brasileira seria conseguida sem ônus para o estado, na hipótese de um fluxo constante de novos Imigrantes, com lucros sensiveis para os fazendeiros. À proposta não poderia ser posta de lado pelo governo, pois prometia um aumento imediato nas exportações, que eram a principal fonte da receita governamental e, portanto, também a fonte da crescente infuência politica dos fazendeiros. Os agentes de Vergueiro em Hamburgo, Zurich e outras cidades recebiam, na verdade, assistência por parte dos consules brasileiros que, diga-se de passagem, eram instruidos no sentido de evitar o recrutamento de “socialistas, veteranos da Jovem Alemanha que talvez tivessem pertencidos a Freikorps; e nenhum desses funcionários que falam sobre politica ou discutem sobre formas de governo.

Contrato de “Parceria”

Primeira ponte de madeira sobre o Rio Piracicaba, em 1827 — Foto: Acervo IHGP

Vergueiro oferecia aos imigrantes um contrato de serviços, cujas origens ele traçara numa tentativa anterior de empregar trabalhadores portugueses na fazenda Ibicaba em 1841, quando ele ainda cultivava cana. É possível, porém, que esse não tivesse sido o único experimento com um rude e primitivo regime de contrato de portugueses no Oeste Paulista. Encontraram-se referências a pelo menos dois outros casos, aparentemente comparáveis à tentativa de Vergueiro. Segundo o comissário suiço Tschudi, alguns dos portugueses eram jornaleiros, alojados em dormitórios não muito diferentes dos quadrados e que comiam à mesma comida que os escravos.

Eles pagavam as suas despesas de viagem e a manutenção do primeiro ano com seu salário total, 12 mil-réis por mês — três quartos do que se pagava normalmente aos jornaleiros. Outros eram uma espécie de rendeiros, ao que parece familias instaladas em casas separadas, que tinham os seus próprios lotes de subsistência pelos quais pagavam aluguel. Trabalhavam nos campos, em eitos, como escravos, sob a supervisão de feitores.

Vergueiro mencionou vagamente que o seu primeiro grupo de portugueses se dispersara por ocasião da revolta liberal de 1842, na qual Vergueiro se envolvera, insinuando que a repressão governamental fora culpada. É mais provável, tendo em vista que as tropas nunca chegaram a menos de 50 quilômetros de Ibicaba, que os portugueses simplesmente tenham aproveitado a oportunidade para fugir, ou tenham escapado a uma tentativa de recrutá-los. Das 70 famílias trazidas em 1841, sete permaneciam em 1847.

Vergueiro ofereceu aos alemães um acordo que parecia mais justo e rendoso. Eles receberiam seus próprios lotes de pés adultos e, apesar de receberem certa supervisão, seriam mais ou menos responsáveis pelo cuidado e pela apanha. Segundo o contrato assinado por eles em Hamburgo antes de embarcar, levariam os frutos até os terreiros e contribuiriam proporcionalmente ao beneficiamento. Receberiam cotas em pagamento, correspondentes a metade dos rendimentos da venda da safra, após dedução dos custos de transporte, impostos e comissão. Se o trabalhador, em seu lote de subsistência, produzisse mais do que sua família pudesse consumir, a metade do excedente também caberia a Vergueiro. Ainda que Vergueiro chamasse a esse contrato de parceria, diferenciava-se das versões européias no sentido de que as vendas eram feitas pelo proprietário da terra, e não pelo trabalhador, Vergueiro também chamava-lhes de colonos, atenuando, dessa maneira, as distinções entre esses trabalhadores contratados e os colonos livres, como os que se tinham estabelecido no Rio Grande do Sul.

Desde então esse termo tem sido aplicado no Oeste Paulista a vários tipos de proletários rurais, e nunca a pequenos proprietarios, chamados de sitiantes (de sitio). Os trabalhadores contratados eram de fato servos, pois deviam o preço total de seu transporte aos fazendeiros, tal como seus predecessores portugueses, Vergueiro ficaria pelo menos com a metade da parte dos trabalhadores cada ano, para amortizar a divida. Nesse interim, cobrava-se ao trabalhador um juro de 6 por cento por conta do adiantamento para a manutenção no primeiro ano e, depois de dois anos de graça, também sobre o custo do transporte. A familia inteira era coletivamente responsável pela divida de cada membro. Assim, se o marido morresse, a viúva e os filhos seriam obrigados a cumprir o contrato, assim coma os orfãos, se ambos os pais falecessem.

Hercule Florence. Vista da Colonia Allemã, Senador Vergueiro, situada na Fazenda Ybicaba, Districto de Villa da Limeira, Prov de S. Paulo – junho 1850, 1850, nanquim e grafite sobre papel, 40,9 x 54,1cm.

Os imigrantes, depois de uma viagem de quase dois meses, desembarcavam em Santos. Ali descansavam alguns dias; eram então conduzidos, a pé, com as malas, as crianças e os doentes acomodados em carroças de duas rodas, em direção ao interior, subindo a serra. Duas SEMANAS mais eram gastas nessa jornada doloroza. Em Ibicaba eram recebidos pelos Vergueiro, os quais, ainda que mantendo grande distanciamento social, davam sinceras demonstrações de boas-vindas e de interesse pelo seu bem-estar. Os filhos de Vergueiro tinham estudada na Europa e podiam falar com eles em alemão. Eram levados para um lugar a mais de um quilômetro de distância da casa-grande e da senzala, e instalados num agrupamento de casebres de um quarto, de taipa, cobertos de palha e com chão de terra batida. Um alemão residente no Brasil há bastante tempo era nomeado diretor da “colônia”.

Os alemães deviam ter ficado chocados com o primitivismo os alojamentos, ainda que fossem um pouco melhores do que os de outros trabalhadores livres da região, que não possuíam terras. Tinha lumbém de se acostumar com uma alimentação diferente, ainda que Vergueiro não impusesse limite ao empréstimo que poderiam tomar dos fornecedores da fazenda. Um médico alemão morador de Rio Claro foi contratado, e cada familia devia pagar por ano seis mil-réis pelos seus serviços. Um dos imigrantes recebia um pagamento, para o qual os pais contribuiam, para ensinar as primeiras letras às crianças. Ao que parece, havia muitas mortes e doenças nos primeiros anos, especialmente entre os mais velhos. Os preços de qualquer artigo, exceto os de primeirissima necessidade, eram muito superiores aos da Europa. O que eles não podiam fazer, tinham de dispensar, mesmo papel e lápis para as crianças. Tudo lhes causava mal-estar, a frugalidade do dia-a-dia, o isolamento extremo, a estranheza dos vizinhos.

Mapa de sesmarias por Nicolau Vergueiro.

Toda via foram capazes de cumprir os termos do contrato, e a terra produziu safras abundantes. Compraram porcos e cabras, vacas e até uns poucos cavalos. Comiam melhor do que na Alemanha, e cameçaram a fornecer aos moradores de Rio Claro e Limeira produtos que eles jumais tinham visto no mercado – leite, queijo, ovos, mel e verduras. Constituiram uma sociedade de canto e uma associacão beneficente. Observadares notaram a ausência de criminalidade e de nascimento legitimos na colônia. As familias conseguiram melhorar suas moradias de aluguel. Colocaram telhas, forraram o chão e fizeram móveis. Evidentemente, a cultura de uma vila rural alemã estava sendo reconstituída com êxito naquele local remotissimo.

Vergueiro ficava desapontado ao perceber que os agentes consulares não tinham tido o cuidado de comprovar se os imigrantes eram de fato agricultores experientes. Deu trabalho a alguns artesãos, que se tinham mostrado incapazes para lidar com a terra. Ibicaba tinha carpinteiro de carroças, tanoeiros, seleiros. pedreiros e ferreiros. Quinze das famílias foram liberadas para conduzir seus negócios em Rio Claro e Limeira, e a outras 12 ele adiantou mais dinheiro para que pudessem comprar terra. Vergueiro não via como resolver o problema, a não ser pela importação de maiores contingentes de trabalhadores.

De qualquer modo, ele não desanimou, e na segunda leva de 65 alemães e 50 portugueses, que chegou em 1849, apenas uma família não se adaptou a agricultura. Do primeiro grupo, 18 familias tinham pagado todas as suas dividas ao final do terceiro ano (Tab. 4. 1), é a divida total se reduzira de 32.220 para 9.754 mil-réis, Vergueiro trunsmitiu ao governo imperial ser sua “a mais profunda convicção” de que as colônias seriam “de grandissima utilidade pública™ na aclimatação dos imigrantes ao Brasil em condições favoráveis. Os vizinhos de Vergueiro começaram a interessar-se pelo seu projeto, após a ratificação da Lei Queiroz em 1850, que acabava de vez com o tráfico de escravos. Os trabalhadores contratados pareciam estar dando lucro a Vergueiro, que declarou a um visitante que considerava “o trabalho de um homem que tem vontade própria e interesses pessoais muito mais rendoso do que o trabalho escravo”. (Ele, porém, não eliminara o trabalho escravo. Uma força de 250 deles continuava a tratar de outros lotes em Ibicaba.)

TABELA 4.1 – Situação contábil dos trabalhadores contratados, Fazenda Ibicaba, 1851

CategoriaNúmero de FamíliasCrédito ou Débito por família, mil-réis
Familias com créditos13392
Familias com saldo zero5
Familias com débitos54-196
Familias que partiram, com débitos27-158
TOTAL99-98
FONTE: Arquivo do Museu Imperial, Petrópolis. Nicolau Vergociro a Nabuco de Araújo, 6 jun, 1852. Note-se que as contas de 1832 ainda não estavam acertadas.
Escravos continuavam em lotes da fazenda Ibicaba (Banco de Imagens do Carlota Schmidt Memorial Center – Álbum José Vergueiro – Acervo Dra. Lotte Köhler, s.d)

Chegada de imigrantes em Rio Claro

Vergueiro começou, então, a servir de agente para outros fazendeiros. Em Rio Claro, vários pediram trabalhadores contratados, e Vergueiro decidiu estabelecer uma segunda “colônia” em sua fazenda Angélica. Em 1852, assinou um segundo contrato com o governo da província, novamente sem juros, mais desta vez para cobrir apenas a metade das despesas de transporte. Na Alemanha e na Suiça, no entanto, muitos municípios pagavam o resto para quaisquer de seus cidadãos desejosos de emigrar. Nos seis meses seguintes, mais 600 imigrantes chegaram, em particular da Turingia, Pomerânia e Holstein. Em 1857, havia 60 colônias no Oeste Paulista, sendo 10 em Rio Claro, onde mais de mil trabalhadores contratados cuidavam da lavoura (Tab. 4. 2). Alguns portugueses e brasileiros assinaram contratos de parceria, e uns poucos belgas foram trazidos, juntamente com outros alemães e alguns suiços. Vergueiro, em relatório ao governo da provincia, em 1853, pouco após a assinatura da segunda renovação, declarou que dentro de 10 anos ele estaria importando 10 mil pessoas por ano.

O primeiro contato foi alterado por Vergueiro, de modo a permitir a sua transferéncia para outro fazendeiro, a menos que o trabalhador tivesse “motivo justo ou bem fundado” para recusar. Também tornou um pouco mais rigoroso o controle do senhor, estendendo para um ano o aviso estipulado para partir. Além disso, possivelmente além de reduzir seu desembolso inicial para transporte, pois a provincia reduzira seu adiantamento, o contrato posterior especificava que a acumulação do juro de 6 por cento começava quando o imigrante o assinasse em Hamburgo ou Antuérpia. Os juros sobre os adiantamentos eram somados não ao saldo médio mas a dívida total anual, e antes de calcular-se os créditos ganhos pelo trabalhador. Muitas das cláusulas da primeira versão eram bastante ambiguas e já tinham causado disputas, mas Vergueiro não se deu ao trabalho de alterá-las. Não ficava claro, por exemplo, a quem caberiam as despesas do transporte de Santos até Ibicaba. O contrato estabelecia que o fazendeiro iria “fornecer” o mesmo, mas Vergueiro sempre tivera a intenção de cobrar a despesa do imigrante. Como o transporte de malas ou pessoas em carroças podia custar até a metade da viagem por mar e como os europeus não tinham experiência de tarifas terrestres tão exorbitantes, até certo ponto era maldoso por parte dos agentes não avisar os imigrantes nem aconselhá-los a diminuir suas bagagens. Nem Vergueiro tratou de tornar explicito, no segundo contrato, que ele considerava justificado incluir na divisão do trabalhador a comissão de 10 por cento que pagava aos seus agentes.

Turíngia é um estado no centro-leste da Alemanha. É conhecido pelas amplas florestas, com picos de montanhas e vilarejos medievais. Sua capital é Erfurt, que abriga a Catedral de Erfurt, do século 8, onde foi ordenado Martinho Lutero, figura central da Reforma Protestante. Como monge, Lutero viveu no mosteiro medieval Augustinerkloster. Zitadelle Petersberg é uma imponente fortaleza barroca fora da cidade.
A Pomerânia é uma região histórica e geográfica situada no norte da Polônia e da Alemanha na costa sul do mar Báltico, entre as duas margens dos rios Vístula e Odra, atingindo, a oeste, o rio Recknitz.

TABELA 4.2 – Colônias de trabalhadores contratados em Rio Claro e Limeira, 1847-57

FazendaMunicipioProprietárioFundação
IbicabaLIMEIRAVergueiro & Cia.1847
São JerônimoLIMEIRAF.A. de Souza Queiroz1852
Boa VistaRIO CLAROBenedito Antônio de Camargo1852
Morro AzulLIMEIRAJoeaquim Franco de Camargo1852
BiriRIO CLAROJ.E. Pacheco Jordão1852
São FelipeLIMEIRAF.A. de Souza Queiroz1852
CorumbataíRIO CLAROM. R. de Carvalho Pinto1853
São João do Morro GrandeRIO CLAROJ Ribeiro dos Santos Camargo1853
TatuLIMEIRAC. J. da Silva Serra1854
CresciumalLIMEIRAF.A. de Souza Queiroz1854
São José do CorumbataíRIO CLARODomingos José da Costa Alves1854
Morro GrandeRIO CLAROA Joaquina Nogueira Oliveira1854
AngélicaRIO CLAROVergueiro & Cia.1855
CauvitingaRIO CLAROJ.E. Pacheco Jordão1855
Sertão de AraraquaraRIO CLARODomingos José da Costa Alves1855
Santa BárbaraLIMEIRAF.A. de Souza Queiroz1856
Bom RetiroLIMEIRAJoaquim da Silva Diniz1856
EspandongaLIMEIRAF.A. de Souza Queiroz1856
PalmiraLIMEIRALourenço Franco da Rocha1856
ItaúnaRIO CLAROIgnácio Xavier de Negreiros1857
FONTES: SP(P), Secretaria de Estado dos Negócios de Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Relatório, 1893; APESP, Colônias, 2, “Mappa das colonias visitadas e examinadas.”[ jan. 1857].

Também a maneira de calcular os ganhos dos trabalhadores causava acirradas discussões. O trabalhador trazia seu café para os terreiros, sendo o mesmo calculado por volume, em alqueires (36,27 litros, diferente da outro alqueire que era uma medida de superficie). O contrato estabelecia que se um trabalhador não cumprisse com a tarefa de espalhar e secar os seus proprios frutos, ele pagaria aos seus companheiros por esse trabalho, numa proporção de três alqueires por uma arroba (na época 14,69 quilos) de grão beneficiado. Os fazendeiros insistiam que essa fórmula também se aplicava ao cálculo da colheita, ou seja, para cada três alqueires de frutos colhidos, os trabalhadores seriam creditados com uma arroba de grão beneficiado. Nos contratos posteriores, em geral se estipulava que uma arroba equivalia a dois alqueires.

Vergueiro justificava-se dizendo que havia certa perda no processo, o que era verdade, mas é inacreditável que se perdesse uma medida em cada três. Além do mais, era injusto atribuir o prejuizo inteiramente ao trabalhador, pois o fazendeiro tomava parte na operação e deveria compartilhar do risco igualmente. O montante da perda no beneficiamente pode ser calculado com precisão, na verdade, pois a fazenda de Santa Gertrudes manteve durante anos o registro do volume da safra e da produção de grãos em arrobas. Transposto para os seus equivalentes antigos, uma arroba era resultado de 2,44 alqueires. Portanto, os trabalhadores deveriam ser creditados de uma arroba pelo menos para esse montante, ou talvez mais ainda. A divisão real no contrato de parceria administrado por Vergueiro não era de 50 a 50, mas de 60 a 40 a seu favor.

Os imigrantes, assim que se viam distribuidos pelas lavouras, descobriam que a exigência contratual de se submeter aos regulamentos da colônia implicavam a renúncia a certos direitos civis. O trabalhador não podia se ausentar ou receher convidados sem permissão prévia. Os fazendeiros, tal como faziam com os agregados, puniam frequentemente a embriaguez, a vadiagem ou maus tratos a esposa, como se fossem juizes de paz. Tomavam especial cuidado em dar fim a queixas que pudessem leva-los a alguma forma de organização. Vergueiro expulsou do primeiro grupo dois “socialistas”, um deles o professor, por “indisciplina” dessa ordem.

As penalidades em geral consistiam de multas, que poderiam facilmente ascender até um ano de salário, se cobradas repetidamente, e que na maioria das propriedades eram embolsadas pelo fazendeiro, ao invés de aplicadas na colônia. Os fazendeiros compreendiam muito bem que a melhor fonte de substituição dos seus trabalhadores eram os seus parentes ou conhecidos nos lugares de origem; portanto, estimulava-se o envio de relatórios otimistas, inclusive mediante chantagem; finalmente, pois eles tinham acesso às cartas em suas propriedades, os fazendeiros começaram subrepticiamente a censurar a correspondência.” Quaisquer disputas referentes aos contratos seriam decididas, sem recurso, pelas autoridades municipais — isto é pelos juizes nomeados pela Câmara Municipal.

Em Rio Claro e Limeira os próprios juize eram fazendeiros também, e aplicavam a rigorosa Lei de Serviços de 1837, especialmente promulgada para cobrir os contratos com imigrantes. Um trabalhador dispensado por justa causa tinha de pagar de imediato a soma total devida ao fazendeiro, se não pudesse, poderia ser condenado sumariamente a trabalhar em obras públicas “enquanto fosse necessário” ou, se não houvesse trabalho disponível, a trabalhos forçados na prisão até um maximo de dois anos. Um trabalhador que abandonasse o serviço sem aviso prévio deveria ser preso onde ele estivesse e posto a trabalhar em obras públicas até ganhar o dobro do que devia ao empregador. Esses dispositivos poderiam equivaler à prisão perpétua e a mendicância para o resto da familia. A lei também estipulava que um trabalhador que tivesse cumprido seu contrato receberia uma certidão de seu empregador. Qualquer um que empregasse um estrangeiro que não tivesse tal documento era passivel de pagar o dobro da divida do trabalhador ao antigo empregador, e o trabalhador poderia ir preso por evasão.

Sede da Fazenda Ibicaba (construção do século XIX). Álbum de José Vergueiro – Acervo Dra. Lotte Köhler (Munique).

A despeito de seu entusiasmo inicial pelo sistema de contratos Vergueiro não acertou em suas previsões. Apenas alguns poucos fazendeiros empregaram imigrantes, enquanto outros logo desistiram e voltaram ao uso de escravos. A imigração de europeus não aumentou: na verdade, chegaram menos a Santos na década de 1860 do que na de 1850. Somente em fins da década de 1880 o fluxo de imigrantes foi suficiente para formar uma força de trabalho que permitisse aos fazendeiros dispensarem os escravos. Nesse sentido, o sistema de contratos foi um fracasso, a que se atribuiram as mais diversas razões, Em retrospecto, é possivel perceber que os imigrantes eram agricultores perfeitamente adequados, mais eficientes que os escravos e capazes não apenas de transformar as relações de trabalho nas grandes lavouras como toda a estrutura econômica do sul do Brasil. Por que sua chegada foi adiada na região mais próspera e propicia do pais e portanto, uma questão que merece consideração.

A causa imediata dos fazendeiros perderem subitamente o interesse no regime de parceria de Vergueiro foi uma série de questões trabalhistas suscitadas pelos contratos, e que culminaram em 1856 e 1857 em greves e deserções generalizadas. A crise foi efeito direto da inflação interna, combinada com a estagnação no preço de exportação do café. Os trabalhadores viram-se cada vez mais atrasados em suas contas com os fornecedores que enquanto seus ganhos provenientes do café permaneciam estacionários. Ao mesmo tempo, diante da discrepancia entre os preços, eles passaram a dar maior atenção a suas culturas de alimentos de primeira necessidade do que ao café, o que tornava ainda mais dificil o pagamento das dividas, prejudicando o lucro do fazendeiro. A perspectiva de viver como peões eternamente endividadas, para uns, e de bancarrota para outros, endurecia as posições de ambos os lados. Para os primeiros, a irredutibilidade dos fazendeiros em revisar os termos dos contratos parecia parte de um desígnio implacável.

Era fácil, portanto, perceber má-fé em todas as transações dos fazendeiros — nos livros de contabilidade, nos aparelhos de pesar e medir e nas taxas de câmbio a que trocavam suas moedas alemãs ou suiças. Davam-se conta de que os preços nos armazéns das fazendas eram em geral mais altos do que os da cidade. A politica de conceder empréstimos livremente, não apenas em produtos como em dinheiro, parecia, em retrospecto, uma espécie de cilada.

Os fazendeiros começaram a reduzir seus prejuizos, já que esmaeciam as perspectivas de tirar lucro dos seus trabalhadores. Joaquim Franco de Camargo, proprietário da fazenda Morro Azul, com 204 trabalhadores, escreveu em dezembro de 1855 que tinha despedido 14 familias por vadiagem, roubo (como os escravos, alguns trabalhadores roubavam café que consideravam seu e vendiam-no na cidade), ou “por ser intrigante”. Enquanto isso, outras cinco familias tinham lugido, ““por indução de seus patricios™, e três tinham partido com sua permissão para tentar trabalho como artesãos que lhes permitisse pagar as dividas. Dentre as famílias que permaneceram, apenas uma tinha liquidado suas contas.

Na fazenda de Francisco Gomes Botão, depois de um ano de perturbações, 30 dos seus 40 trabalhadores desapareceram. Benedito Antônio de Camargo perdeu 34 dos seus 253 trabalhadores em menos de um ano, e queixou-se nestes termos ao presidente da provincia em outubro de 1856:

“Cabe-me dizer a Va. Exa. que a colonia não vai bem porque de 40 e tantas famílias que tenho não tem nenhuma que cumpra directamte com suas obrigações de seus contractos o que eles sabem é Furtar, desatendendo huns aos outros, em fim pela maneira que vai indo é bem custozo aguentalos”.

Alguns fazendeiros não se limitavam a dispensas sumarias. Chamavam a policia e mandavam encarcerar os trabalhadores, e às vezes suas familias. Se os trabalhadores tinham abandonado seus lotes, a policia ia em seu encalço como se se tratasse de escravos fugidos, e eram trazidos de volta ou para tratar da plantações, ou para trabalhar em obras públicas. Isso era desagradável para a policia e para a gente da cidade, que tinha simpatia pelos imigrantes. A maioria dos fazendeiros, não encontrando outra saida, desistiu, com enorme prejuizo quanto aos seus adiantamentos. Outros, tentando impedir o desaparecimento dos trabalhadores restantes, ou para tornar mais fácil sua contratação por outros empregadores, “perdoavam” parte das suas dividas.

O suíço Thomas Davatz

Thomas Davatz  chegou ao Brasil em julho de 1855, liderando um grupo de compatriotas contratados pela empresa de colonização do senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro (1778-1859). Esses colonos foram levados à província de São Paulo para a fazenda Ibicaba

Em Ibicaba os trabalhadores encontraram um porta-voz relutante mas inteligente e capaz de falar de forma clara em Thomas Davatz, um suiço do cantão de Graubunden, que emigrara com mulher e fihos, juntamente com outros 200 do vale Pratigau, em 1885. A narrativa de Davatz das suas experiências no Oeste Paulista é uma das raras na história brasileira escritas do ponto de vista do trabalhador. Antes de partir, Davatz recebera do governo cantonal a incumbência de enviar de volta um relatório minucioso sobre as condições em Ibicaba. lsso era do conhecimento de Vergueiro, que o tratava com deferência especial na fazenda — possivelmente, segundo presumia Davatz, na esperança de um relato favorável. Ao contrário, escreveu uma exposição pessimista, que foi lida, de algum modo, por um dos administradores. Davatz imediatamente foi chamado a se apresentar à Luiz Vergueiro, um dos filhos de Nicolau, que indiretamente o ameaçou de mandar matá-lo. Pouco depois, um dos administradores deixou bem claro que não o deixariam sair da fazenda e ficariam de olho nele a fim de que não tentasse enviar seu relatório. Em desespero, Davatz voltou a cuidar do seu café, a fim de não dar aos Vergueiro pretexto para mandar prendé-lo. Achou, nesse meio tempo, maneiras de contrabandear cartas para fora da fazenda, com pedidos ao governo do seu cantão para que o levasse de volta a Suiça, onde pretendia apresentar seu relatório pessoalmente.

Os Vergueiro, supondo que Davatz estivesse sob controle, reintegraram-no em suas funções de professor, aparentemente na esperanca de extrair dele um futuro relatário favorável. Enquanto isso, os outros imigrantes tornavam-se cada vez mais apreensivos quanto a sua situação.

For ocasião da safra de 1856, a administração previra preços altos para o café, e os trabalhadores esperavam liquidar grande parte das suas dividas. Quando as contas foram apresentadas, todavia, os resultados ficaram muito abaixo das expectativas. Além disso, a comissião indicada pela colônia para examinar as contas só pode olhar rapidamente o Livro Mestre, e não recebeu para exame nenhum comprovante das vendas. Quando um português reclamou que o café tinha melhor preço em Santos do que o declarado pela administração, e exigiu que lhe mostrassem os recibos, foi demitido na hora.

Davatz, até então isolado e receoso de se comunicar com os outros trabalhadores, foi finalmente procurado por vários deles. Reuniram-se em sua casa e ele fez uma lista das queixas para que o consulado suiço e o governo imperial investigassem, o que, segundo imaginavam e confiavam os imigrantes, permitiria que começassem vida nova em alguma das colônias oficiais no Rio Grande do Sul. Esperaram por uma resposta durante vários meses. Em dezembro, Luiz Vergueiro, num esforço para tranquilizar as autoridades a respeito dos rumores de desconlentamento entre os colonos, resolveu dar uma grande festa pura celebrar o aniversário do pai e convidou todos os luminares polilicos e burocráticos da região, a fim de que pudessem formar uma opinião favorável das relações entre os Vergueiro e os seus empregados. Os imigrantes adivinharam a significação de tudo, porém, e a maioria recusou-se a comparecer. Quando, no dia seguinte, os administradores da colonia tentaram usar a ausência do coro masculino como pretexto para purgar os seus diretores, a reunião serviu para que os homens expressassem seu rancor generalizado contra a administração.

No outro dia, 45 trabalhadores dirigiram-se espontaneamente a casa de Davatz, onde escreveram e assinaram uma lista de reclamações a serem apresentadas a Vergueiro, juntamente com uma declaração de que desejavam uma investigação oficial. Mais tarde, cerca de 40 alemães vieram expressar solidariedade aos suiços. Enquanto isso, um dos trabaIhadores foi despedido por Luiz Vergueiro por ter falado durante a reunião, chamando Nicolau Vergueiro de desonesto.

Um dos administradores, Schmid, recebeu uma via das reclamações, e convidou Davatz a entregá-la aos Vergueiro. Davatz, no salão da casa-grande, confrontou Luiz, o velho Senador, outro administrador chamado Jonas, um alemão de nome Alscher, preceptor das crianças da familia, e – um pouco apartado dos restantes – o médico, Gattiker, contratado para cuidar dos trabalhadores. Davatz não compreendia portugueés, nem o Senador, alemão; Jonas serviu de intérprete das imprecações do Senador: ele acusava Davatz de revoltoso, destituia-o das suas funções e o proibia de continuar a tentar comunicar-se com autoridedes superiores. Quando Davatz tentou responder, a discussão tornou-se mais acalorada, com todos os outros gritando em português e passando para o alemão as ordens do Senador. Quando insistiram em ouvir as queixas especificas, Davatz respondeu que havia muitas, mas que os trabalhadores queriam que elas fossem investigadas como um todo. Finalmente, mencionou algumas. Quando expressou a crença geral de que o preço em Santos era mais alto do que o alegado pela firma, os Vergueiro explodiram furiosos. A acusação dizia respeito a sua honra, Gattiker, horrorizado, agarrou Davatz pelo braço e levou-o para fora da sala.

Alguns trabalhadores que entendiam português tinham-se esgueirado até à varanda, e ouviram claramente os Vergueiro deliberarem em altas vozes, sobre se deviam mandar matar Davatz, Aterrorizados, correram para a colônia a fim de avisar os outros, que imediatamente sairam de suas casas com as armas que possuiam. Na metade do caminho, o grupo encolerizado encontrou Davatz que, surpreso, ainda não sabia do perigo que estava correndo. Ele e alguns dos outros trabalhadores conseguiram acalmar o grupo, mas não antes de, por sua vez, ameaçarem o trêmulo Jonas, que acompanhava Davatz, e darem dois tiros para o ar. Apesar de tudo, os trabalhadores retornaram à colônia e não deram outras demonstrações de ira.

Esses acontecimentos de 24 de dezembro de 1856 têm sido referidos como “revolta”, ainda que não consistissem de nada mais que um grupo enfurecido de trabalhadores receosos de que um deles corresse o perigo de ser assassinado, e cuja exigência básica era tão-somente uma investigação oficial a respeito de obrigações contratuais. O governo provincial enviou rapidamente um destacamento de 30 soldados até Limeira, onde encontraram a milicia local fazendo a patrulha, mas sem interesse em tomar o partido dos Vergueiro. Os imigrantes receberam os soldados com grande entusiasmo, pois continuavam a considerar as autoridades provinciais e imperiais como suas defensoras. O comandante das tropas ficou muito bem impressionado com essa atitude, e enviou um relatório positivo ao presidente da provincia.

A ameaça comunista

Somente em 29 de janeiro, porém, apareceu um investigador em Ibicaba, mas seus esforços foram ineficazes e no sentido da conciliação. O presidente da provincia fora designado pelo Ministério Conservador do Duque de Caxias e provavelmente estava satisfeito de ver a situação constrangedora em que se encontravam Vergueiro e seus amigos, que eram Liberais, e não via razão para uma solução imediata na Assembléia da Provincia, os Liberais queixavam-se de que o presidente não revelava qual a sua posição na disputa insinuando que ele indiretamente tentava pressionar Vergueiro a não influir numa eleição em Santos.

A colônia, ainda temerosa de um ataque de Vergueiro, mantinha-se armada, com sentinelas à postos. Davatz recebeu muitas delegações de outras colônias de Limeira, Rio Claro e Piracicaba. Os Vergueiro, observando tudo isso alarmados, escreveram ao presidente da Província, em 10 de fevereiro, dizendo estarem convencidos de que os imigrantes faziam parte de uma vasta conspiração de “sociedades” resolvidas a subverter a sociedade, com a ajuda dos escravos. Apenas em Limeira havia 5 mil homens armados! A conspiração era dirigida por um suiço chamado Oswald, um “comunista” que vivia em São Paulo, e que possivelmente era apenas um mero testa-de-ferro de conspiradores ainda mais sérios sediados no Rio. Era preciso uma demonstração de força, insistia Vergueiro: o governo devia mandar imediatamente um batalhão completo! A base para esta fantasia paranóica fora, ao que parece, uma carta escrita por Davatz mas interceptada por Vergueiro, na qual ele pedia a Oswald, conhecido como hostil ao sistema de parceria, informações a respeito de colônias em outras provincias. De qualguer maneira, os delirios de Vergueiro eram compartilhados por outros fazendeiros da região. Uma solicitação da Câmara Municipal de Rio Claro, com data de duas semanas depois, declarava:

“São fatos incontestaveis que os colonos suissos. debaixo da direcção de uma sociedade secreta que se armarão… fallão em forma [r] um Estado Livre. Não tememos que elles consigão seus damnados fins, mas tememos o estrago do rompimento”.

Uniam-se, portanto, a Vergueiro no pedido por soldados.

A essa altura, porém, chegara o comissário suico, J. C. Heusser, acompanhado por um assistente do consulado no Rio. Sua investigação, que levou três semanas, confirmou até certo ponto todos os 18 pontos contidos na lista redigida pelos suiços em dezembro, e também levantou provas de outras faltas estranhas às especificagdes contratuais, e que Davatz não tivera permissão de expor, como a interceptação da correspondência pelos administradores. A atitude e atuação de Davatz foram definidas como dignas e desinteressadas. Todavia, ele não conseguiu nenhuma compensação para os imigrantes. O acordo a que chegou estipulava apenas a restituição pelos fazendeiros de divídas incorretamente calculadas, mas não especificava, familia por familia, quanto era devido, exatamente. Tampouco previa recursos para o caso de Vergueiro não cumprir o compromisso, que foi exatamente o que se deu. Como parte do acordo, Luiz Vergueiro abandonou a administração, devendo ter indicado um novo diretor da colônia, Davatz foi excusado de suas dívidas e demitido sumariamente. O consulado pagou sua volta para a Suiça.

NOTA DO EDITOR: A Revolta de Ibicaba, também chamada Revolta dos Parceiros ou Revolta dos Imigrantes, foi a rebelião dos trabalhadores estrangeiros da Fazenda Ibicaba, em Limeira, em 24 de dezembro de 1856,[2] contra a exploração do trabalho pelos senhores brasileiros, que haviam optado pelo sistema de parcerias em substituição à escravidão. No século XIX, a mão-de-obra escrava vivia um processo de restrição, notadamente após a aprovação da Bill Aberdeen, uma lei inglesa que proibia o transporte marítimo de escravos traficados, e cuja sanção era a apreensão dos navios que o fizessem. No Brasil, após um período de relutância, essa tendência se refletiu, e se faziam necessárias novas medidas para garantir a produção nos engenhos.

Houve várias outras investigações na região, destacando-se a de Manuel de Jesús Valdetaro, no mesmo ano; em comissão do governo imperial, e em 1860 acde Sebastião Machado Nunes, bem como a de j. J. Tschudi, um agente suiço com larga experiência na América do Sul. O relatório de Valdetaro não negava a maioria dos fatos, mas considerava que em alguns casos os fazendeiros apenas tinham se enganado de boa-fé no cumprimento do contrato e, em outros – por exemplo, na cobrança da comissão do agente – tinham agido de maneira perfeitamente justa. O diretor do Registro Geral de Terras Públicas afirmou que o relatório mostrava como eram infundadas as criticas ao sistema de parceria, e julgava que a emigração recomeçaria assim que os fatos
se tornassem públicos.

A situação dos trabalhadores contratados em Ibicaba e noutras fazendas da área permanecia, enquanto isso, inalterada. Ainda que os fazendeiros fossem instruídos no sentido de corrigirem irregularidades especificas notadas por Valdetaro, não eram obrigados a fazê-lo. Benedito Antonio de Camargo, por exemplo, simplesmente respondendo o presidente da provincia dizendo que Valdetaro enganara-se a respeito dos preços em seu armazém, e que seus aluguéis eram perfeitamente razoáveis, Tschudi, que chegou na região quase dois anos depois de Heusser, comprovou que os trabalhadores contratados faziam ainda as mesmas queixas. José Vergueiro negou-lhe permissão para entrar na fazenda. Isso pareceu arbitrariedade ao comissário suiço, que duvidou, irônico, de que “o poder do Ministério chegasse a Ibicaba™. Vergueiro continuava abrindo a correspondência, e pagava os trabalhadores em vales. Além disso, apesar de que as prefeituras suiças houvessem pagado todos os adiantamentos, Vergueiro tinha embolsado 65 pagamentos já recebidos, inclusive os feitos por outros fazendeiros, alegando que lhe eram devidos pelos “prejuizos” causados pela “revolta”. Tschudi não conseguiu fazé-lo devolver nenhuma parcela desses recursos.

A publicação do relatório de Heusser, porém, e as vibrantes memórias de Davatz provocaram reeção imediata na Europa. O ministério da Prússia proibiu o recrutamento de imigrantes, e o governo federal suiço recomendou firmemente a mesma medida aos cantões. Houve lambém protestos em Portugal e na Itália. Em São Paulo, os consules desses países frequentemente advogavam a causa dos restantes trabalhadores contratados, o que não era surpreendente, pois os imigrantes achavam dificil e caro apelar para os juízes de paz locais. Alguns agentes do consulado tornaram-se muito impopulares junto aos fazendeiros, em particular o agente prussiano em Campinas, G. H. Krug. Os fazendeiros preferiam acreditar que eles eram motivados antes pelo desejo de subir na carreira consular, do que por simpatia pela causa de seus patrícios. Em geral os seus relatórios aos governos respectivos eram hostis aos fazendeiros. Viajantes que passaram pelo Oeste Paulista por volta de 1860, como Avé-Lallement, Expilly e “Jacaré-Assu” (um inglês que evidentemente morara em São Paulo), denunciaram abertamente os fazendeiros.

É fácil reconstituir as circunstâncias em que os fazendeiros perderam, por 30 anos, a oportunidade de substituir os escravos pelo trabalho livre. Todavia, resta averiguar as razões desse fracasso; o sistema não seria viável economicamente, ou havia no relacionamento entre fazendeiros e empregados algum obstáculo intransponivel para um acordo aceitável por ambas as partes?

Machado Nunes, após uma inspeção feita em março de 1860, declarou que o contrato de parceria era incapaz de permilir que os trabaIhadores ganhassem o suficiente para liquidar as dividas. Emilia Viotti da Costa, ao escrever sobre a experiência de Vergueiro, chegou à mesma conclusão. Os fazendeiros desistiram e os europeus suspenderam a emigração porque a parceria não garantia suficientes lucros para os primeiros, nem renda que possibilitasse aos últimos o pagamento de suas contas num prazo razoável. De fato, segundo os cálculos de Viotti da Costa, os imigrantes tenderiam a ficar devendo cada vez mais. Se assim fosse, não é de se surpreender que os fazendeiros voltassem a lançar mão dos escravos (e podem ser desculpados da responsabilidade pelo longo adiamento, desde que, é claro, se apliquem critérios puramente capitalistas e não se despreze qualquer linha de ação que se mostre mais lucrativa para o proprietário.)

Nesse caso, todavia, os fazendeiros não podem ser isentos da acusação. Enganaram-se ao desistir do trabalho livre, pois ambas as partes teriam melhorado os seus ganhos se tivessem persistido. Vários indicios dispersos a respeito das despesas e dos ganhos dos trabalhadores comprovam que uma família típica seria capaz de ficar livre de dividas dentro de um periodo razoável. O custo do transporte de uma familia de cinco membros teria sido de cerca de 338 mil-réis, e um ano de subsistência teria custado outros 374 mil-réis (Tab. 4.3). Além disso, na pior interpretação do contrato, o trabalhador teria de pagar 6 por cento, ou 43 mil-réis sobre a soma total no primeiro ano, antes de ganhar qualquer coisa. Esta estimativa da divida total concorda com as contas feitas em todas as investigagdes oficiais.

A divida inicial raramente ultrapassava esse montante, e às vezes era inferior, porque os emigrantes aplicavam sua poupança pessoal, ou começavam logo a ganhar dinheiro como diaristas, reduzindo a divida no armazém da fazenda. Note-se que a estimativa cobre a familia inteira. Viotti da Costa presume que a divida familiar era insuportavelmente maior porque as crianças e a mulher eram improdutivas, o que é falso. Os proprietários reconheciam eles próprios que as unidades familiares eram mais produtivas que os trabalhadores individuais, razão pela qual preferiam contratá-las. A produção infantil era proporcional ao seu custo de manutenção, pois seus pais punham as crianças a trabalhar na lavoura de café ou de produtos de primeira necessidade quando atingiam os sete ou oito anos. Ainda que a mulher fosse obrigada a passar parte do tempo nas ocupações domêsticas, ela também cuidava da horta e dos animais, e produzia a maior parte dos artigos da indústria caseira vendidos nas cidades.

TABELA 4.3 – Estimativa da divida inicial de uma familia contratada, 1856

ItemCusto em mil-reis
Transporte:
Passagem maritima280
Comissão28
Transporte terrestre20
Bagagem10
TOTAL338
Subsistência no primeiro ano
Alimentação250
Aluguel 12
vestuário45
ferramentas28
médicos e remédios36
contribuição para a escola3
TOTAL374
TOTAL GERAL712
Fontes: DAVATZ, Thomas = Memórias de um colono no Brasil, pp. 951 10; despesas de alimentação e vestuário, em APESP, Colônias, 2, Nicolau Vergueiro para o Presidente de Provincia, 29 fev, 1850, e APESP, OD/RC, 396, Subdelegado para o Presidente da Província, jan, 1856 (dia ilegível). Com referência aos transportes, encontramos confirmação em outras fontes, p. e., EXPILLY, Charles – La traite, I’êmigration e la colonization au Brési, p. 115. NOTA: A familia consistia do marido, muther, dois filhos com menor do 12 anos e uma criança de colo.

A fim de saldar a divida inicial calculada na Tab. 4.3 em cinco anos, o trabalhador teria de por de lado 164 mil-réis anualmente. Os primeiros ganhos deviam variar muito, devide a flutuação nas safras, e os rendimentos das familias variavam ainda mais, por causa da produtividade diferente dos lotes distribuidos e das diferenças individuais quanto a diligência, aptidão e saúde. Pode-se tomar como média que um adulto homem cuidaria facilmente de 1.500 pés, ainda que às vezes recebesse menos, e sua mulher e filhos outros 1.500, Plantas adultas em solo superior poderiam render mais de 100 arrobas por mil pés, e especialmente se fossem capinadas regularmente e os frutos colhidos com cuidado.

Todavia, a média em Rio Claro e Limeira seria inferior talvez 225 arrobas para 3 mil pés. As contas fornecidas por Davatz: para o ano de 1856 em Ibicaba (Tab. 4.4), mostram um ganho liquido para o trabalhador de cerca de 1,4 mil-réis por arroba. Talvez os cálculos fossem fraudulentos, como alguns trabalhadores afirmavam, mas o preço médio de venda do café em Santos naquele ano foi um pouco inferior ao que Vergueiro afirmara ter recebido. É necessário, porém, descontar os ganhos supostos dos trabalhadores, diante da insistência de Vergueiro de que três alqueires de frutos equivaliam a uma arroba de grãos. Assim, o trabalhador recebia apenas o crêdito de 180 arrobas, quando entregava o equivalente a 225.

Apesar disso, em 1856, 183 arrobas representavam 252 mil-réis. Presumindo-se um lote médio de pés, uma safra média, e um preço um pouco abaixo da média, o trabalhador de parceria poderia conseguir com o café dinheiro suficiente para amortizar sua divida em cinco anos ou menos. O trabalhador e sua familia poderiam conseguir ganhos adicionais mediante outros trabalhos fortuitos, ou poderiam vender o excedente de sua horta e dos animais produtores de leite. A jornada de trabalho valia 0,50 mil-réis, e o trabalho qualificado, 1,50 mil-réis. Meio alqueire (medida agrária) de milho tomava cerca de 24 dias de trabalho e rendia 47 mil-réis, menos o custo do transporte.

Estas estimativas correspondem às encontradas pelos investigadores do governo. Apesar do pânico de 1856, a maior parte dos contratos foram liquidados num prazo de três a sete anos. Durante o contrato, quase todas as familias compraram animais pelo valor de 50 mil reis ou mais, e em geral puderam vender aos que os substituiram os melhoramentos introduzidos nas casas. Algumas familias tiveram resultados excelentes e conseguiram acumular até 1000 mil-réis de crédito. Alguns poucos, por outro lado, afogaram-se em dividas em montante equivalente a quase o preço de um escravo. Algumas tinham perdido um ou mais membros, sendo obrigadas a pagar solidariamente as dividas de todos. Que a maioria fosse capaz de liquidar seus compromissos está de acordo com a lógica e a experiência posterior no Oeste Paulista. O trabalho livre era mais produtivo do que o escravo. Mesmo que os fazendeiros estivessem dispostos a voltar a exploração do escravo, eles não estariam perdendo dinheiro com os contratos.

Não é possivel ir contra esse argumento com a afirmativa de que o trabalho contratado de europeus, ainda que mais eficiente, tinha de ser pago a preço tão alto que não permitia lucro. Os fazendeiros cobravam a taxa de juro usual por qualquer tipo de adiantamento feito aos trabalhadores, mas em geral nada pagavam de juro pelos créditos dos trabalhadores acumulados com eles. Os relatórios oficiais mal tocam no quanto os fazendeiros cobravam a mais pelos servicos prestados aos trabalhadores – beneficiamento dos frutos, venda de alimentos, ferramentas e outros equipamentos, e aluguéis – mas há algumas indicações de que eles tivessem lucros altíssimos. O relatório de Valdetaro, por exemplo, mostra que Benedito Antônio de Camargo cobrava um aluguel anual de 12 mil-réis por familia, por uma casa na fazenda. Camargo afirmava que isso representava apenas 6 por cento de juro sobre o custo da construção, mas o inventário de sua propriedade, feito dois anos mais tarde por ocasião da sua morte, avaliava os casebres em apenas 30 mil-réis!

TABELA 4.4 – Cotas da colheita de café, Fazenda Ibicaba, 1856

ItemMil-réis por arroba
Preco de venda médio, entregue em Santos4,400
Menos:1,602
Frete1,040
Beneficiamento0,400
Comissão de vendas (3 por cento)0,132
Impostos0,030
Cotas liquidas2,798
Cotas para o trabalhador contratado (50 por cento)1,399
FONTE: DAVATZ, p. 101.

Não pode ser afirmado que o trabalho livre, ainda que rentável, o fosse menos que o escravo. Um escravo custava cinco vezes mais caro que a passagem de uma familia imigrante inteira, e sua manutenção na primeiro ano também ficava por conta do proprietário. O escravo tinha de ser supervisionado, vestido, alojado e cuidado a um custo minimo, e precisava ser amortizado em 20 anos (Tab. 3.3). Esses custos se alcançavam a quase tanto quanto o quinhão que cabia a toda uma familia imigrante. De fato, cabe a comparação, pois se considerava que um escravo adulto fosse capaz de cuidar de tantos pés quanto uma familia imigrante, ou seja, 3 mil pés.

Esta suposição era sem divida errônea, e baseada talvez em hipótese maligna quanto à eficácia do chicote para extrair uma última gota de esforço por parte dos escravos. O resultado de atribuir um número tão grande de pés a cada escravo sem dúvida seria reduzir a safra e diminuir a vida produtiva das plantas. Ao exigirem trabalhos extraordinários dos escravos às expensas do tempo que eles poderiam dedicar a propria subsistência, os fazendeiros ainda prejudicavam seu investimento. Além disso, os escravos que morriam premuturamente ou fugiam representavam uma perda maior que o trabalhador contratado, pois as hipotecas de que eram garantia, ou tinham de ser pagas ou dobravam a taxa de juro.

Esta exposição não comprova que o uso de escravos não fosse viável economicamente. É verdade que os proprietdrios não calculavam a depreciação, mas não é provável que tivessem todos marchando sem saber para a falência. O mais provável é que os cálculos das dividas e dos ganhos dos trabalhadores fossem muito conservadores, pois se baseavam em números dados pelos fazendeiros, que torciam as coisas a seu favor. A relação entre os custos para os fazendeiros dos duas modalidades de exploração do trabalho é razoavelmente precisa, porém: mesmo sob o regime de parceria a escravidão era menos rentável para os fazendeiros do que o trabalho livre.

Outro tipo de argumentação nunca foi apresentado, mas deveria sê-lo. Se os trabalhadores mostraram-se rebelados e não queriam cooperar, por estarem sobrecarregados de excessivo ônus, por que os fazendeiros não poderiam ter melhorado o acordo? Que custos eles tinham de enfrentar para estabelecer os imigrantes em suas lavouras?

Apenas estes; a depreciação e os juros da plantação formada, e a administração da “colônia”. Calculou-se que o investimento de capital da lavoura e no equipamento beneficiador era de cerca de 1.500 mil-réis por 3 mil pés (Tab. 2.3 e comentdrios às pags. 47-8). Isso seria amortizado em 40 anos, a um custo de 127 mil-réis ao ano, incluindo um juro de 12 por cento. Em Ibicaba havia apenas um diretor para 62 familias, que percebia menos de 1.000 mil-réis por ano em dinheiro, e talvez recebesse alguma gratificação de cerca de 20 mil-réis por familia. O custo anual de instalação de uma familia contratada, para o proprietário, era, portanto, de cerca de 147 mil-réis. No entanto, o contrato de parceria, no caso hipotético acima descrito, rendia-lhe 449 mil-réis da produção familiar de 225 arrobas (cota liquida que aparece na Tab. 4.4, menos 180 mil-réis para o trabalhador). O lucro, pois, era de cerca de 300 mil-réis por lote familiar de 3 mil pés, ou seja, 20 por cento do capital investido.

Esses cálculos levam a conclusão de que, subjacente ao levante de 1857, encontrava-se a necessidade de liberalizar os termos dos contratos, suscitada pela expansão do sistema dentre um número maior de fazendeiros competidores, bem como a crescente tomada de consciência dos trabalhadores no que dizia respeito aos salários e niveis de preço locais. Se as exigências dos trabalhadores não fossem atendidas, apenas o uso da força poderia manté-los no serviço. Está era uma das razões por que as fantasias de Vergueiro a respeito de uma revolução iminente encontraram tão pronta acolhida entre os outros fazendeiros. O problema, segundo eles, era terem sido demasiadamente liberais com “homens que, tendo vivido em seus paizes sujeito a um jugo muito forte, se acham aqui muito soltos”. O governo, todavia, defrontando pela necessidade inelutável de atrair mais imigrantes, recusou-se a empregar a força maciça que seria necessária, e os fazendeiros retornaram ao uso de escravos.

Outra linha de análise tem sido costumeira entre historiadores facilmente inclinados a crerem nas queixas dos fazendeiros. Tinham eles a opinião que o sistema de parceria fracassara porque os imigrantes eram de qualidade inferior. As cidades suiças e alemãs, alegavam eles, tinham agido deslealmente com os próprios cidadãos. Tinham colocado entre eles, os indesejáveis – bêbados, idiotas, aleijados e senis – obrigando às vezes certas familias a acolhê-los como membros antes de lhes adiantarem dinheiro para a passagem.

Acontece que o sistema de parceria foi adotado no momento em que o emigração tornara-se repentinamente questão de sobrevivência para milhares de agricultores europeus. A colheita da batata fora malegrada na década de 1840, levando a fome a Europa Central e obrigando à emigrar não apenas os que não tinham terras como os pequenos proprietários = as vezes vilas inteiras, compradas por nobres com o dinheiro que haviam recebido pela extinção dos seus feudos. Em outros lugares, como na Suiça, a emigração fora forçada pelo rápido aumenta na populacão entre os pequenos proprietários, que não podiam mais subdividir as terras. O recenseamento de 1850 registra que 10 mil dos 90 mil habitantes do cantão de Graublinden emigraram definitivamente.

Os emigrantes, sem dúvida, incluiam criminosos e outras pessoas indesejáveis, mas a maioria absoluta era simplesmente de gente pobre, tanto assalariados quanto agricultores. Havia Camaras municipais na Alemanha — mas parece que não na Suiça – que subsidiavam sua partida, na esperança de evitar conflitos sociais. Sem divida se livravam com a mesma frequência dos cidadãos mais ambiciosos e decididos das classes inferiores. Quase todos os alemães e suiços procuravam os portos de Hamburgo e Antuérpia de passagem para os Estados Unidos, mas alguns se dirigiam para o Brasil e a Australia porque o dinheiro da passagem era adiantado. Os estudos sobre a migração comprovam que a seletividade é minima quando as condições econômicas locais forçam a saída, como foi o caso na Europa Central, na década de 1850. Os emigrantes que escolhiam o Oeste Paulista, portanto, provavelmente eram em média mais pobres do que os que iam para os Estados Unidos e Canadá, mas não há razão para supor que houvesse outras diferenças entre eles. Se os trabalhadores contratados fossem realmente de condição humana inferior, teria sido uma notável exceção histórica.

A maneira como as queixas eram apresentadas contra os trabalhadores faz levantar forças suspeitas que se tratasse de meras justificativas a posteriori. Em particular, o papel de Vergueiro como agente contratador de supostos incompetentes é estranhamente paradoxal. Tschudi insinuou que Vergueiro tomara parte no engano geral por estar interessado tão-somente em cobrar sua comissão dos outros fazendeiros. Todavia, ele não colocaria desajustados na propria fazenda, e, segundo Davatz conta de sua chegada a IBicaba, o distribuição das familias entre os proprietários era completamente aleatória! Os imigrantes teriam eles mesmos razão de ressentimento e amargura contra suas cidades natais, se tivessem sido tratados da maneira mais larde descrita pelos fazendeiros. Ao contrário, demonstravam total confiança em seus agentes suiços e consules alemães, e esperavam ser por eles defendidos.

No caso das cidades suiças, a acusação da saída forçada, parece muito infundada, tendo em vista as fortes indicações de preocupação demonstrada de sua parte: o encargo feito a Davatz de responder a um questionário extremamente minucioso sobre as condições em São Paulo, a rapidez com que suspenderam os pagamentos dos adiantamentos feitos, e o envio imediato de um agente a fim de investigar a queixas dos imigrantes.

Davatz não nega a acusação de que alguns dos imigrantes suiços eram mendigos, mas isso ele atribuiu a situação desesperadora lá reinante. Insistiu em que mesmo esses, se lhes permitissem pagar suas dividas e começar vida nova, eram diligentes é confiantes em si mesmos. Por outro lado, algumas das familias tinham sido tão prosperas na Suica que tinham podido juntar dinheiro. Os que vieram para Ibicaba e Angélica, em 1885, possuiam em média 50 mil-réis, Quase todos os trabalhadores, porém, perderam interesse na lavoura quando começou a parecer-lhes impossivel liquidar as dividas. De fato, Valdetaro contradiz sua propria análise quando menciona, como outra razão da incapacidade dos imigrantes para pagarem as contas, a sua expectativa de um nivel de consumo demasiadamente alto. Todavia as casas arrumadas, telhadas e caiadas com as próprias mãos, cheias de mobiliário feito por eles mesmos, e os utensilios, ferramentas, remédios, conservas e animais, tudo observado por Valdetaro, eram indicios não de suntuosidade mas de sua diligência, O manifesto desagrado de Valdetaro pela prosperidade entre os agricultores era sintomático de uma ideologia maligna e contraproducente que impediu a evolução da agricultura brasileira.

Mais da metade da leva de imigrantes que acompanharam Davatz era formada de artesãos de vários tipos. Esse fato tem sido apontado com frequência para demonstrar que eram, portanto, mal acostumados com as tarefas agricolas. Como os suíços vieram de uma área fortemente rural – a maior vila de Graubiinden tinha apenas 6 mil habitantes por volta de 1850 – poucos dos imigrantes poderiam ser autra coisa que não agricultores que também se dedicavam a oficios em tempo parcial. Oficios especializados em áreas rurais na Europa eram, de fato, geralmente sinal de terras pobres e extrema subdivisão de lotes.

Seria mais lógico inferir que os artesões imigrantes constituiam um grupo mais capaz de reconstruir sua cultura material num ambiente primitivo. De fato, em contradição consigo mesmo, Afonso d’Escragnolle Taunay tomou essa posição ao falar do grupo posterior de imigrantes italianos, Sérgio Buarque de Holanda evitou-o, denegrindo a contribuição cultural dos alemães e suiços ao Oeste Paulista comparada a do grupo de sulistas norte-americanos que se instalaram em Santa Bárbara e Vila Americana após a Guerra da Secessão. Em geral se supões que a carroça com rodas de raio foi introduzida pelos americanos; todavia o missionário americano Kidder encontrou algumas em Ibicaba, construidas pelos alemães, 12 anos antes dos sulistas terem chegado. O fabricante de trólis em Rio Claro era um suiço que viera como contratado, João Jacob Meyer, cuja oficina foi aberta em 1854.

É um sofisma extremado examinar as credenciais dos imigrantes sem fazer o mesmo com os fazendeiros. Pelo menos a mesma proporcão entre eles fracassou em seus empreendimentos, cometeu furtos, embebedou-se e maltratou as esposas, sem falar nos escravos. Suas excentricidades e falhas pessoais tinham um efeito mais profundo sobre as relações de trabalho do que as dos trabalhadores. Segundo alguns padrões, estes poderiam ser considerados superiores aos fazendeiros. Ao contrário dos proprietários, quase todos os alemães e suiços sabiam ler. Eles assinaram os nomes nos contratos dos anos de 1850, enquanto os empregadores rabiscaram um X. Nove entre 10 das mulheres suiças e alemãs que também firmaram contratos eram alfabetizadas, enquanto oito entre dez esposas de fazendeiros não o eram. Essas considerações, todavia, não são fundamentais para a análise do sistema de parceria. Na pior das hipóteses, a incapacidade de alguns dos imigrantes poderia ser coberta pelos fazendeiros mediante uma pequena reserva para atender as dividas não saldadas. A precisão e a liberalização dos contratos poderiam ter eliminado em grande parte, a necessidade disso.

Por outro lado, os fazendeiros não estavam preparados para tratar com os trabalhadores numa base meramente contratual. Num certo sentido, como Sérgio Buarque de Holanda ressaltou, o sistema pressupunha a absoluta confiança do trabalhador em seu patrão. As pesadas condições do contrato eram essenciais para o estilo de controle dos fazendeiros: poderiam ser removidas seletivamente, como prêmio de expressões de lealdade e respeito. O aumento da produtividade ou mesmo a manutenção do relacionamento contratual eram considerações de menos importância. O paternalismo dos fazendeiros, porém, só poderia manifestar-se se os empregados aceitassem a posição de dependentes.

“Em suas transações com essa gente, em minha opinião, ele demonstra muito abertamente que os considera como menores”, observou Van Delden Laerne, especialista holandês sobre café, em 1881. Os trabalhadores europeus, contudo, consideravam tal tratamento como mera intimidação. Eles reagiam com apelos às autoridades públicas no sentido de restabelecer a relação contratual.

Os fazendeiros, por sua vez, no princípio ficaram furiosos, depois aterrorizados com essa reação. Não tinham imaginado que trabalhadores fossem capazes de protestar, organizar-se e pedir investigações. Recurso a outra autoridade era a suprema demonstragio de deslealdade, e só poderia ser coisa de ingratos empenhados em subverter toda a sociedade, sob a influência de estranhos com ambições diabólicas. Os trabalhadores viram na subsequente recusa dos fazendeiros em levar em considerações seus pedidos uma evidência do desejo de submeté-los não apenas à condição de servos, mas de escravos. De fato, as maneiras dos fazendeiros fortaleciam essa apreensão, muito antes da crise.

Um fazendeiro, a quem Vergueiro transferira arbitrariamente um grupo de alemães, disse-lhes: “Comprei-os ao Sr. Vergueiro. Os senhores me pertêncem”, As hipotecas dos proprietários mostram que eles usavam as dividas dos imigrantes como garantia subsidiária de emprêstimos, exatamente como se fossem os preços de escravos. Num contrato mais recente, de novembro de 1881, um empresário concordara em colocar “no tratamento do mencionado cafezal tres escravos e tres colonos que hoje possui aquelles arrendados e estes contratadas”.

Esta associação dos papéis de empregador e de feitor de escravos na mente dos imigrantes tinha sua contrapartida no medo dos fazendeiros de que os trabalhadores contratados e os escravos fossem de algum modo se unir contra eles. Disse Carvalho de Moraes: “Para o fazendeiro no Brasil sempre foi, e continua a ser, motivo de sérias apreenssões a existencia simultanea em seu estabelecimento agricola de trabalhadores livres e escravos”. Isso era simplesmente fantasia de uma consciência pesada. Infelizmente, para a evolução social do Brasil, os trabalhadores livres mantiveram distância dos cativos. Davatz era obtuso bastante para dizer, em suas memórias, que o sistema de parceria era pior que a escravidão.

Ainda que os europeus se apiedassem de certa maneira da situação dos escravos, eles temiam demais ser também nela jogados, para vê-los como aliados. Não se pode negar que se sentiam intimidados por sua pele negra e cultura africana, considerando um sinal de sua distância da Europa familiar e saudosa.

Em resposta aos eventos de Ibicaba, o governo imperial promulgou um regulamento em novembro de 1858 destinado à amenizar o contrato de parceria. A parentemente suas principais prescrições foram cumpridas: a de que nenhum contrato seria prorrogável por mais de cinco anos, após os quais não mais poderia ser cobrado o custo do transporte, e de que as transferências não eram válidas sem o consentimento do trabalhador. Outras cláusulas foram ignoradas. A moradia, por exemplo, deveria ser gratuita, mas a maioria dos contratos existentes nos cartórios continuaram a cobrar aluguéis. Os membros da família permaneciam responsáveis pelas dividas de todos, e o maior defeito da Lei de Serviços de 1837 foi mantido – os trabalhadores continuavam sujeitos a prisão por não-cumprimento do contrato.

À relação continuava à ser, portanto, de peonagem, pois o fazendeiro não poderia ser preso se ele não cumprisse as suas obrigações. Em 1879 foi pro- mulgada uma nova lei, um pouco melhor. A prisão era ainda um sinal do trabalhador que abandonasse a lavoura sem licença, mas apenas por um máximo de 60 dias. Mesmo então os proprietarios de Rio Claro continuavam denunciando os trabalhadores recalcitrantes aos tribunais, que às vezes mandavam encarcerá-los sem se dar ao trubalho de ouvir-lhes os depoimentos.

Por mais de uma década após a “revolta” de 1857, os fazendeiros mostraram pouco interesse em retomar a importação de trabalhadores livres. Seu terror sobreviveu longamente à crise, e todos começaram outra vez a comprar escravos. Um ano mais tarde, a Câmara Municipal de Rio Claro ainda lamentava que o “desanimo tem sido geral por não terem sido reprimidos os revoltosos, e os proprictarios julgão-se sem segurança de maneira que as plantações pouco ou nada continuarão”. Mais significativa ainda de que os fazendeiros consideravam os escravos menos perigosos do que os trabalhadores livres era sua disposição de pagar preços muito mais altos por aqueles do que jamais tinham pagado antes. Rapazes custavam menos de 1.000 mil-réis em 1854: em 1858 eles custavam 2.000, quando podiam ser encontrados.

Uns poucos fazendeiros, apesar do pessimismo, continuavam a manter “colônias” sob um regime diferente. Os contratos de parceria E gradualmente desapareceram, e a maior parte do tratamento dos cafesais passou a ser feita por ajuste. O fazendeiro pagava ao trabalhador uma importância fixa por alqueire de grãos entregue. Este acordo, já em uso em algumas fazendas antes das greves de 1856, acabou com as queixas e desconfianças em relação a preços de venda e medidas, e eliminou o longo periodo que decorria entre a colheita e o recebimento.

O pagamento era em geral de 0,40 mil-réis por alqueire, a metade do que ganhavam os trabalhadores de parceria em Ibicaba em 1856. Ainda que os trabalhadores já não estivessem sujeitos ao logrou do cálculo de três alqueires para uma arroba de grãos, o resultado ainda era claramente fávoravel ao fazendeiro. Em 1860, o preco do café subira de 4,40 para 3,90 por arroba; assim, o trabalhador estaria ganhando o dobro se ele tivesse continuado sob o sistema de parceria. Alguns dos contratos por ajuste mantinham a exigência de entrega da metade dos rendimentos das hortas de alimentos de primeira necessidade; outros cobravam aluguel pela terra.

É dificil calcular quantos trabalhadores livres permaneceram no Oeste Paulista depois de 1860, pois o governo provincial já não mantinha controle sobre os mesmos. Havia alguns remanescentes do grupo original de parceria, mas a maioria eram brasileiros da região ou de Minas Gerais. Eram agregados ou jornaleiros que aceitavam uma ligeira alteração de situação. Como o cuidado dos cafezais era melhor atendido por familias e menos transitório de que trabalbhar como camarada, por exemplo, na derrubada de florestas, o contrato por ajuste era as vezes a única saida para moços que tinham constituído familia.

Apesar disso, em muitas fazendas, jornaleiros e agregados continuaram a ser os únicos trabalhadores assalariados. Como a principal utilidade dos agregados era a proteção dos limites das propriedades, o seu desaparecimento coincidiu com o acerto da maioria das disputas e o uso mais intensivo da terra.

José Elias Pacheco Jordão – prefeito de Rio Claro entre 1853-1856

Dos europeus, apenas portugueses continuavam a chegar, sob contratos tão onerosos quanto os antigos, os custos mais baixos do que os provenientes de portos mais distantes. Um desses contratos foi investigado pela policia em 1867, provavelmente por instigação de inimigos politicos. Cinco anos antes, José Elias Pacheco Jordão, proprietário de duas fazendas no municipio, tinha contratado pessoalmente 23 menores portugueses recêm-chegados ao Rio de Janeiro. Nenhum tinha mais de 14 anos, e três tinham apenas oito. Eles deveriam trabalhar três anos, ainda que os agentes em Portugal tivessem dito que seu termo seria de 18 meses), pagar seu transporte e receber alimentação, vestuário e cuidados apropriados, além do pagamento mensal de um mil-réis em dinheiro. Os extremos de desespero e dureza presentes no contrato são chocantes, mas o fazendeiro não pretendia cumprir nem mesmo essas reduzidas obrigações. Os depoimentos recolhidos pelo chefe de policia demonstraram que, em sua opinião, “não passa Dr. Jordão por um fazendeiro amante de seus escravos e humano, como em geral o são no Brasil os senhores…nem terá para com eles [menores] empregados o tratamento que o seu próprio interesse lhe deveria aconselhar”.

As crianças afirmaram ter recebido apenas miseráveis rações de milho e feijão, terem sido espancadas e chicoteadas, e que, após completado os seus três anos, não lhes tinham permitido partir. Disseram não ter recebido cuidados médicos e que dois, ou talvez três, tinham morrido. Com exceção de cinco, todos fugiram para Campinas.

Um relatório enviado ao Ministro da Agricultura em 1870 declarava que os fazendeiros, esperando aproveitar seus escravos um pouco mais, não se mostravam dispostos a tentar contratos novamente. “Oscillando entre duvidas e esperanças, formando projetos e adiando sua execução desvião as vistas do futuro, ou aguardão que os acontecimentos preparem ou lhes imponham a solução que tem de por termo às suas indecisões.”

Alguns meses mais tarde, a inquietação entre os escravos no Oeste Paulista provocou profunda ansiedade entre os farendeiros. A Câmara Municipal voltou ao sistema dos contratos, e aprovou uma lei autorizando um fundo de 600.000 mil-réis para emprestar aos fazendeiros que quisessem importar trabalhadores. Os juros eram de 6 por cento, mas concedia-se um prazo de 12 anos para a amortização. Uns poucos fazendeiros de Rio Claro reagiram.

A Ignácio Xavier de Negreiros e Antônio Paes de Barros, os únicos que ainda mantinham colônias, veio juntar-se Silvério Rodrigues Jordão, herdeiro da fazenda Morro Azul, que reabriu sua colônia. O barão de Porto Feliz estabeleceu colônias em suas fazendas Cafezal, Boa Vista e Cascalho, e o barão de Araraguara (outro filho do visconde de Rio Claro) começou outra na fazenda de São José. Angélica, que os Vergueiro, cuja fortuna diminuia, tinham vendido aos credores, o London and Brazilian Bank, reiniciou operações unicamente com trabalhadores livres. O que constituía uma novidade extraordinária – apenas duas ou três outras fazendas livres existiam na provincia – mas infelizmente não alcangou bom éxito. Os administradores ingleses eram uns bébados inconsequentes que maltratavam os trabalhadores e levaram a propriedade à falência.

Casarão abandonado sede da Fazenda Angélica, mais conhecida por fazenda do Barão de Grão Mogol, Barão Gualter Martins Pereira.
Esse Casarão foi construído em 1880 utilizado de mão de obra de pessoas escravizadas, foi tombado pelo Condephaat em 1987.
Fica localizado no município de Rio Claro/SP

O contingente de trabalhadores brasileiros em Rio Claro era heterogêneo, inclusive migrantes que fugiam da grande seca nas provincias do Nordeste, Talvez 3 mil se fixaram no Oeste Paulista em 1877 e 1878: mais de 600 foram contratados pelo administrador da fazenda Angélica. Havia também remanescentes dos primeiros posseiros pioneiros, agregados trazidos pelos primeiros fazendeiros, escravos fugidos, libertos alforriados ali ou em outros municipios, descendentes de imigrantes de colônias oficiais falidas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. O grupo maior talvez fosse constituido de filhos de pequenos proprietários ou de agregados de Minas Gerais e de outras partes de São Paulo, classificados como jornaleiros ou desempregados, que tinham vindo para Rio Claro devido aos salários mais altos.

Seu relacionamento com os fazendeiros era, sem dúvida, respeitoso, em termos que deveriam fazer com que fossem preferidos, como o tinham sido anteriormente. Mas eles eram instáveis, e os fazendeiros tornavam-se, cada vez mais, pessoas ausentes. Era preferivel, portanto que eles alcançassem não a estabilidade a longo prazo e sem salário do agregado, modalidade em desaparecimento, mas o tipo de contrato oferecido aos europeus, com pagamentos em dinheiro e renovação anual. Os trabalhadores brasileiros, muito menos notados que os europeus, não apareciam nos relatórios governamentais, pois não apresentavam problemas diplomdticos nem aqueles provocados pelo custeio do transporte.

TABELA 4.5 – Salários nos contratos por ajuste, 1856-50

AnoMil-réis por alqueire colhidoMil-réis pela capinta de mil pésSalário familiar anual – estimativa
18560,40sem pag.220
18580,44sem pag.242
18630,40sem pag.220
18700,55sem pag.302
18740,5010,00395
18750,5012,00419
18760,495,00329
18780,2210,00240
18800,5512,00434
FONTES: 1856-58: Manuel de Jesus Valdelara, “Colonias de São Paulo”, anexo ao Brasil, Repartição Geral das Terras Públicas, Relorório, 1838, p. 19, 1863. APESP, Colônias, 1, 23 nov. 1863, 1870: 1. P, Carvalho de Moraes, Relatoria, anexo, RC/C2, LN, 26 set., 1870, 1874-75: JAGUARIBE, Domingos –
Algumas palavras sobre a emigração, pp, 29:40, 1876; APESP, Colônias, 26 out., 1876, 1878: RC/C2, LN, 8 abr. 1877. 1880 Visconde de Indaiatuba, *Memorandum sobre o início de colonização da fazenda “Sete Quedas” no município de Campinas em 1852, in: Campinas, Câmara Municipal, Monografia Histórica do municipio de Campinas, p. 249, o salário familiar estimado supõe 3 mil pés por familia, uma safra de 235 arrobas, e 4 capinas por anos.

A migração interna de trabalhadores livres de outras provincias constitui um fator tão constante do crescimento das fazendas que é surpreendente que tenha recebido tão pouca atenção, É possivel que os trabalhadores brasileiros tivessem resolvido a crise de mão-de-obra, sem a necessidade de recorrer-se aos europeus, se algum esforço tivesse sido feito no sentido de recrutá-los. Esta solução foi efetivamente proposta pelo presidente da provincia, José Joaquim Fernandes Torres, logo após o fracasso de Ibicaba. Por volta de 1870 deveria haver uma diferença regional de salários capaz de atrair gente de outras partes do Brasil para trabalhos temporários nas fazendas, de preferência a posse irregular de terras, à agricultura de subsistência em pequenas propriedades, ou em parceria em suas localidades de origem. Os fazendeiros nunca os procuraram, possivelmente porque menosprezassem a capacidade de seus compatriotas mestiços, ou porque a transferência de trabalhadores livres fosse potencialmente um risco politico maior do que o tráfico de escravos entre as provincias.

Os europeus continuavam a chegar em pequenos números, principalmente italianos contratados para instalar os trilhos das ferrovias, e que depois aceitavam trabalho nos cafezais. Uns poucos outros eram trazidos diretamente, em especial portugueses. Os contratos oferecidos depois de 1871 eram um pouco mais favoráveis aos trabalhadores (Tab. 4.5). O pagamento por alqueire subiu a 0,50 ou 0,60 mil-réis, taxa que se reduziu quando se passou a pagar separadamente cada capina, tarefa que se repetia quatro ou cinco vezes cada estação. O pagamento separado das capinas, que se destinavam a evitar o descaso pelos cafezais entre as safras, duplicou a renda média dos trabalhadores, mas nesse interim o preço do café e o nivel geral de preços subiram cerca de 30 por cento. Reynaldo Kuntz Busch transcreveu os registros contáveis de 159 familias na fazenda Ibicaba, na década que se iniciou em 1862 (Tab. 4.6). A taxa real de poupança talvez fosse diferente da que se deduz na tabela, pois algumas das familias talvez tivessem chegado com dividas, inclusive pelo transporte maritimo. A maioria das familias, porém, não era de imigrantes recentes, e a maior parte, do que parece, tinha suficiente poupanga para custear ao menos em parte os adiantamentos do primeiro ano. Algumas, aparentemente, tinham grandes economias, que guardavam com o administrador.

Como estimativa, então, a divida inicial média deveria rondar os 100 mil-réis (comparar com Tab. 4.3); por conseguinte, a taxa real de rendimentos anuais, afora o consumo básico, era de 75 a 85 mil-réis para as 112 famnilias com créditos. Esse cálculo é especulativo, mas corresponde às estimativas feitas anteriormente com referéncia aos ganhos e despesas das familias contratados por parceria. Ao que parece, o regime por ajuste não representou melhoria para o trabalhador, pelo menos até que se acrescentassem os pagamentos das capinas, por volta de 1870.

TABELA 4.6 – Contas de trabalhadores contratados, Fazenda Ibicaba, 1862-72

CategoriaNúmero de
familias
Número
médio
de anos
Creditos
p/Familia
mil-réis
Créditos
p/Familia
por ano
Famílias com creditos:
Anos em Ibicaba conhecidos764,4631871
Anos não indicados368,2751662
Famílias com débitos:
Anos em Ibicaba conhecidos212,40
Anos não indicados265,25
FONTE: BUSCH, Reynaldo Kuntz – História de Limeira, pp. 192-95. Do “Livro V de assentamentos”, Fazenda Ibicaba. Omitem-se duas familias cujos dividas foram pagas por parentes.

A aparente taxa de poupança da Tab. 4.6 mal bastava para aquisição de uma pequena propriedade. A familia média necessitaria de cerca de 10 alqueires (24,2 hectares), presumindo-se um solo fértil, para manter um nivel de vida decente, inclusive a criação de uma vaca ou algumas cabras e porcos. Dez alqueires custavam cerca de 750 mil-réis, ou a poupança de pelo menos oito anos além dos primeiros quatro ou cinco, quando ainda estariam pagando a divida inicial. Era preciso então uma produtividade, um empenho e uma sorte além da média para que uma familia de imigrantes conseguisse estabelecer-se numa pequena propriedade.

Os registros de vendas de Rio Claro mostram apenas 60 vendas de propriedades rurais para pessoas com sobrenomes alemães até 1873. O valor médio desses lotes era de 700 mil-réis; 11 deles custaram menos de 300, e outros 11, mais de 1000, Alguns dos proprietários não eram antigos trabalhadores contratados, mas tinham vindo como comerciantes ou profissionais liberais. Pelo menos seis das propriedades pertenciam a pessoas que tinham sido diretores de colônias, inclusive as tês maiores, de Guilherme Lebeis (4000 mil-réis), J. Schmid e Carlos Koch (7000 mil-réis) e João Vollet (12000 mil-réis). Estes quatro casaram com parentes de fazendeiros. Pelo menos 10 das propriedades eram de pessoas que acumularam suas poupanças depois de deixarem as fazendas e se instalarem com negócios na cidade. Em 1872, cerca de 20 por cento da população de Rio Clao eram alemães ou suiços. A média de propriedade de terras era, portanto, um pouco mais elevada entre eles do que na população em geral – havia cerca de 500 proprietários no municipio, na época – mas a área que ocupavam era uma pequena proporção do total, permanecendo a& posse da terra tão concentrada quanto antes.

Se, depois de uma média de 20 anos no Brasil, nove décimos ou mais dos trabalhadores contratados continuavam sem terra, é forçoso concluir que a pequena propriedade era dificil de adquirir ou manter com éxito. Ela era, no entanto, a principal motivação em qualquer programa de imigração não-subsidiada. As autoridades provinciais, e mesmos alguns dos fazendeiros, reconheciam as grandes vanlagens de se atrair trabalhadores que pagassem a propria passagem e trouxessem alguma economia propria. José Vergueiro foi bastante franco ao admitir que a pequena propriedade era não apenas uma aspiração justa e razoável, mas necessaria para a “‘evolução social” do Brasil. Carvalho de Moraes refere-se a uma extraordindria carta de um fazendeiro anônima, aparecida num jornal da provincia:

“Os grandes estabelecimentos só 330 de vantagem (se são, o que é duvidoso), aos seus poucos felizes proprietários; a grande massa do povo sofre com [os] pequenos proprietários sãoos que dão a medida de felicidade de um povo, tornando-o energico, trabalhador e rico”.

A propaganda oficial, por conseguinte, acenava sempre com a promessa de futura posse de terra para os imigrantes em perspectiva. Mas os panfletos otimistas não tinham praticamente valor algum, comparados aos relatos enviados por parentes a conterrâneos. Teria sido ainda mais eficaz a remessa de dinheiro, ou a volta de ao menos uns poucos trabalhadores à cidade natal, depois de “fazer a América”. É claro que nada disso ecorreu entre os trabalhadores contratados. Alguns dos comerciantes da cidade talvez tivessem feito remessas, mas só depois do começo do século alguém se tornara suficientemente próspero para voltar aposentado para a Europa.

Em 1876, 45 fazendas em Rio Claro empregavam alguns trabahadores livres juntamente com escravos, e havia algumas dezenas de sitios, cada um com alguns milhares de pés, pertencentes a gente da cidade que os arrendavam a uma ou duas familias. A transição não fora completada, todavia. Outras 22 fazendas não tinham nenhum trabaIhador livre. Muitos trabalhadores livres, sem divida, eram agregados ou jornaleiros, ou seja, meros ajudantes da folga de trabalho principal. Os escravos constituiam ainda a maioria. Em 1872, cerca de 1700 pessoas livres eram empregados ou rendeiros em fazendas ou sitios, comparados a 2753 escravos. A força de trabalho assalariada havia crescido não muito mais que a metade da taxa de crescimento da força escrava nos 15 anos que se seguiram ao fracasso de 1857.

A MORTE DO VISCONDE DO RIO CLARO

Prefeito de Rio Claro em: 1845 – 1852; e 1857 – 1860.

Não diminuira o predominio dos fazendeiros donos de escravos no municipio; de fato, fortalecera-se graças aos ganhos provenientes da melhoria da produtividade, que não tinham sido distribuidos entre à força de trabalho. É possivel ter-se uma visão dessa proeminéncia nos funerais do Visconde de Rio Claro em 1884, Fundador da cidade, lider da máquina do Partido Liberal local, varias vezes presidente da Camara Municipal, co-organizador da Estada de Ferro Rio Claro, e chefe do clãcom o maior latifundiário do municipio, José Estanislau de Melo Oliveira fora nobilitado em 1867.

Todos os seus 12 filhos, seis homens e seis mulheres, receberam fazendas. Dois de seus filhos e dois genros foram leitos barões, e um terceiro genro, o mais poderoso aliado do visconde no Partido Liberal e chefe da vizinha São Carlos, chegou a conde. A cidade inteira juntou-se ao cortejo; seus lideres disputavam as alças do caixão e carregavam os estandartes dos clubes sociais, donde pendia o crepe de luto. As casas de comércio fecharam por trés dias. Os necrológios chamavam o visconde de pai devotado, amigo sincero e leal, um verdadeiro pai dos pobres, um paulista de velha cepa, um amigo dedicado do homem trabalhador, que ele sempre se mostrara pronto a ajudar com sua influência e seu dinheiro. Esta última expressão referia-se aos empréstimos que fazia. Seu testamento, na verdade, mostrou que ele realmente se transformara num capitalista. Antes de morrer ele se desfizera de suas terras. A fazenda São José, que valia 260.000 mil-réis, foi dada a duas de suas filhas, outras fazendas em Dourados e Analândia já tinham sido transferidas para os filhos. O restante de sua fortuna, no montante de 1.177.775 mil-réis, consistia de empréstimos, lotes urbanos e titulos —principalmente ações de ferrovias, que se alçavam a 798.310 mil-réis.

Os imigrantes europeus contratados continuaram a representar uma fonte insatisfatória de mão-de-obra para as fazendas de Rio Claro. Enquanto os proletários da Europa fluiam em número crescente para os Estados Unidos, Argentina e outros paises “novos”, o Brasil não conseguia atrair mais que uns poucos milhares cada ano. Tentativas de reviver contratos nos primeiros anos após 1870 não tiveram maior sucesso do que 20 anos antes. Os fazendeiros procrastinavam não por que o trabalho assalariado fosse menos viável, mas por serem incapazes de tratar com um proletariado real em bases puramente contratuais. Nisso residia um enorme paradoxo, pois o restante de sua transações com terras, crédito, máquinas e transporte era totalmente
capitalista. Mas os fazendeiros temiam, talvez acertadamente, que os salários competitivos dariam aos trabalhadores os meios de acabar com o seu monopólio de terras e, portanto, de subverter sua sociedade. Portanto, voltavam ao comércio de escravos. Tudo isso parece lamentavelmente retrógrado, e o era, na verdade. Os fazendeiros foram incapazes de provocar a grande transformações através da autocrítica. Seus escravos é que tiveram de persuadi-los a rever seus pontos de vistá, num processo que levou ainda quase 20 anos mais.

REFERÊNCIA


Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura, 1820-1920. Autor: Warren Dean. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

Este conteúdo apresenta resumos e comentários baseados no livro “Rio Claro: Um Sistema de Grande Lavoura 1820-1920” (Warren Dean, 1977). Destina-se a fins educativos e de pesquisa, sem fins lucrativos. Recomendamos a aquisição e leitura da obra completa.

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