conselho exige investigação da origem dos dados expostos por vereador e alerta para possíveis crimes contra a privacidade e moralidade administrativa
O Conselho Municipal de Educação de Rio Claro (COMERC) enviou, em 26 de maio de 2025, um ofício à Secretaria Municipal da Educação cobrando providências urgentes após a divulgação indevida de holerites de servidores da pasta durante uma sessão da Câmara Municipal ocorrida no dia 19 de maio. Os documentos sigilosos, segundo o COMERC, foram exibidos pelo vereador Rafael Andretta e seguem circulando nas redes sociais e canais como o YouTube.
No ofício, assinado pela presidente do COMERC, Rosemeire Marques Ribeiro Archangelo, o Conselho menciona possíveis violações à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), especialmente os princípios de finalidade, necessidade e segurança (art. 6º, incisos I, III e VII), além do artigo 46, que obriga agentes públicos a adotarem medidas para proteger dados pessoais.
A presidente do COMERC ainda ressalta que a conduta pode configurar crime previsto no artigo 320 do Código Penal (violação de sigilo funcional), além de configurar infração à moralidade pública administrativa, o que pode resultar em processo disciplinar.
O Conselho solicita à secretária Valéria Velis que sejam identificadas as senhas e os responsáveis pelo acesso aos sistemas da folha de pagamento, além da adoção de medidas mitigadoras e responsabilização dos envolvidos.
Segundo o documento, todos os funcionários da empresa terceirizada CONAM, responsável pela folha, assinam termos de responsabilidade sobre o sigilo dos dados. A exposição dos documentos, portanto, acende o alerta sobre a segurança de informações sensíveis em posse do poder público municipal.
🧑⚖️ ENTENDA O DEBATE LEGAL
Com a formalização da denúncia pelo Conselho Municipal de Educação (COMERC), o caso adquire contornos institucionais que ultrapassam a mera disputa política ou retórica parlamentar. Passa-se agora a uma possível responsabilização administrativa, civil e penal diante da exposição indevida de documentos com dados funcionais de servidores da Secretaria Municipal da Educação. A seguir, os principais fundamentos legais e desdobramentos possíveis:
📘 1. Transparência e Limites Legais: o que diz a LAI?
A Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) assegura o direito à sociedade de ter acesso a dados públicos, inclusive sobre remuneração de agentes públicos. O STF, no julgamento do RE 652.777/DF (Tema 484 da Repercussão Geral), entendeu que:
“A divulgação da remuneração bruta de servidores públicos, com identificação nominal, não viola o direito à privacidade ou intimidade.“
No entanto, a própria LAI estabelece limites claros à publicidade de informações pessoais, nos seguintes termos:
Art. 31. “As informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem terão acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo, por 100 (cem) anos a contar da sua data de produção.”
Em outras palavras: a transparência não é absoluta e não autoriza a exposição de dados individualizados que extrapolem o interesse público imediato, como CPF, descontos bancários, dados previdenciários, número de matrícula, lotações internas ou informações sobre dependentes.
🔐 2. LGPD e Dano Coletivo: o risco da divulgação sem base legal
A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) regula o uso de informações pessoais, inclusive no setor público. De acordo com o artigo 6º da LGPD, o tratamento de dados precisa respeitar os princípios de:
- Finalidade (uso para fins legítimos e específicos),
- Necessidade (limitação ao mínimo necessário),
- Segurança (garantias contra vazamento ou uso indevido),
- Responsabilização e Prestação de Contas.
A divulgação integral de holerites, sem anonimização de dados sensíveis, pode configurar violação direta à LGPD, especialmente se:
- For feita por meio de redes sociais, canais de YouTube e veículos não institucionais;
- Utilizar acessos administrativos obtidos com senhas vinculadas a terceiros (como empresas terceirizadas da folha, a exemplo da CONAM).
A conduta de exposição — mesmo que realizada por um agente político — não afasta a obrigação de respeito à lei federal e pode ensejar:
- Ação Civil Pública por dano moral coletivo contra a municipalidade ou o vereador;
- Processo administrativo disciplinar se houver servidor envolvido no vazamento;
- Ação de indenização por danos morais individuais, movida pelos servidores cujos dados foram divulgados sem consentimento.
👨⚖️ 3. Jurisprudência: quando a transparência vira abuso
Diversas decisões recentes reforçam que o princípio da publicidade deve ser sopesado com a proteção da intimidade, especialmente em casos de uso político de dados públicos. Em 2021, o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou uma decisão de primeira instância que obrigava a prefeitura a publicar os holerites completos dos servidores, justamente por expor dados pessoais que não diziam respeito ao interesse coletivo.
Outros julgados seguem a mesma linha:
- TJSP – Apelação Cível 1013205-27.2018.8.26.0506: reconheceu o direito à indenização por vazamento de holerite de servidor com dados bancários e deduções salariais.
- STJ – REsp 1.712.163/SP: reforça que o uso de informações pessoais em ambiente público precisa de base legal clara e proporcionalidade.
⚠️ 4. Possíveis desdobramentos jurídicos e políticos
A partir da denúncia do COMERC, os desdobramentos esperados incluem:
- Abertura de sindicância ou processo administrativo interno na Secretaria de Educação e/ou na empresa terceirizada responsável pela folha de pagamento (CONAM), conforme cobrado no ofício.
- Representações ao Ministério Público, tanto para apuração de possível improbidade administrativa quanto para investigação criminal por violação de sigilo funcional (art. 325 do Código Penal) ou uso indevido de dados pessoais.
- Discussão no Legislativo sobre os limites das prerrogativas parlamentares, uma vez que a função fiscalizatória não confere carta branca para a divulgação de dados sigilosos ou fora de contexto.
- Judicialização por parte dos servidores afetados, com base no artigo 42 da LGPD, que autoriza ação de reparação de danos causados por tratamento irregular de dados.
A denúncia do COMERC inaugura um precedente institucional relevante em Rio Claro sobre os limites da transparência na era da proteção de dados. A vigilância sobre o uso político de informações pessoais — mesmo que originadas de sistemas públicos — exige rigor técnico, jurídico e ético, sob pena de comprometer o direito fundamental à privacidade e a moralidade administrativa.
