📘 As Palavras e as Coisas e a Morte do Homem: O que Foucault tem a dizer à nossa educação?

✍️ Por Antonio Archangelo |

Em As Palavras e as Coisas, Michel Foucault não apenas escreve uma história do saber: ele escava, com rigor arqueológico, os alicerces invisíveis que sustentam aquilo que chamamos de verdade. Publicada em 1966, a obra antecipa algumas das teses que transformariam radicalmente a filosofia, a história e a educação nas décadas seguintes. Ao invés de perguntar o que é o homem?, Foucault pergunta quando e como foi possível dizer que existe “o homem”?

“O homem é uma invenção cuja data é recente. E talvez o seu fim esteja próximo.”

Essa provocação é mais do que filosófica — é política. Ela aponta para o fato de que tudo o que tomamos por natural (o sujeito, a linguagem, a ciência, a escola) é, na verdade, o efeito de discursos e práticas históricas. O saber não é neutro. A educação também não.


🧠 O Saber tem História

Foucault propõe o conceito de episteme como o sistema invisível que organiza o que pode ou não ser considerado saber em uma época. É como se a verdade tivesse suas “regras do jogo” — e essas regras mudam. Entre a Renascença, o Classicismo e a Modernidade, o que conta como saber se transforma. Nem sempre houve um “homem” para ser estudado. Nem sempre a linguagem foi vista como expressão da alma. Nem sempre a escola foi um lugar de produção de sujeitos disciplinados.


🧩 A Representação e o Controle

No período clássico (séculos XVII–XVIII), a ordem do mundo era representada como uma grande tabela: nomes, categorias, espécies, signos. A linguagem deveria espelhar a natureza. No entanto, quando a linguagem, o trabalho e a vida passam a ser tratados como objetos empíricos, nasce o que chamamos hoje de ciências humanas.

Mas há um paradoxo: quem estuda é o próprio homem. A modernidade cria, então, um campo instável — o homem passa a ser simultaneamente objeto e sujeito do saber. Foucault mostra como essa duplicação é precária, instável, e possivelmente fadada ao colapso.


📚 O que isso tem a ver com a escola?

Tudo. Se a educação é uma prática de produção de saberes e sujeitos, então ela não pode ser pensada fora dos jogos de verdade que moldam a própria noção de “aluno”, “professor”, “currículo” ou “desempenho”.

O que a escola ensina não é apenas conteúdo: ela ensina formas de ver o mundo, de se ver no mundo, de se governar — e de ser governado. Quando ensinamos português, por exemplo, estamos ensinando uma variedade legítima da língua em detrimento de outras. Quando avaliamos, estamos praticando um olhar normativo sobre o que vale como conhecimento. A escola, nesse sentido, é também uma máquina discursiva.


⚠️ Por que publicar Foucault hoje?

Porque vivemos um tempo de retorno às certezas: da ciência inquestionável, da moral única, do discurso sem ruído. Foucault nos alerta que o discurso da verdade sempre é também uma prática de poder. Não se trata de negar a ciência — mas de compreendê-la como um saber historicamente situado, disputado, atravessado por interesses e silêncios.

Trazer Foucault ao debate público, especialmente em tempos de censura e militarização das escolas, é recuperar a capacidade de interrogar o que nos parece natural, e abrir brechas para pensar a educação não como domesticação, mas como possibilidade de liberdade.

*Observação: este texto nasceu de diversas anotações e reflexões provenientes das disciplinas ministradas por minha orientadora, Maria Regina Momesso, líder do GESTELD/CNPq.


📚 Para ir além:

  • FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Martins Fontes, 2002.
  • DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica. Forense Universitária, 1995.
  • SILVA, E. J. L. da. A Análise Arqueológica do Discurso. Autores Associados, 2014.

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