Não sabe como pagar o piso do Magistério? Nós ensinamos

Por Antonio Archangelo* – Portal Archa | Junho de 2025

A Confederação Nacional de Municípios (CNM) e gestores públicos vêm repetindo à exaustão que o piso salarial nacional do magistério é “inviável” ou “ilegal” após a revogação da antiga lei do Fundeb. Essa ladainha, embora revestida de tecnicalidade, tem um alvo muito claro: esvaziar a força política e orçamentária de uma das poucas políticas públicas que vincula valorização docente a direito constitucional. O que se apresenta como obstáculo técnico orçamentário, na verdade, reflete a ausência de vontade política e um modelo de gestão municipal ainda marcado por traços patrimonialistas e pela cultura da precarização (PERONI, 2008; FLACH, 2009).

Vamos direto ao ponto: a Lei nº 11.738/2008 continua válida e vigente. Seus dispositivos centrais não foram revogados. O critério de reajuste ainda está em vigor — mesmo que sua operacionalização esteja sendo judicializada. Enquanto isso, Estados e Municípios seguem obrigados a cumprir o valor mínimo definido, seja pela lei, seja por decisão do STF. Negar isso é flertar com a improbidade (BRASIL, 2008; CNM, 2025).

Sim, há municípios que comprometem quase todo o Fundeb com folha de pagamento. Mas esse dado, isolado, não revela tudo. A Constituição (art. 212) impõe o dever de aplicar 25% da receita em educação, o que inclui outros impostos além do Fundeb. O IRRF também entra na conta. E boa parte das prefeituras sequer discrimina corretamente as receitas da educação — misturam recursos, inflacionam contratos, terceirizam funções essenciais e culpam o piso por sua própria ineficiência (ABREU, 2018; FLACH, 2009). Isso demonstra não apenas um problema de gestão, mas a permanência de uma lógica tecnocrática e avessa à participação popular nas decisões orçamentárias da educação, como bem apontado por PERONI (2008).

Quer um caminho viável e legal? Ele existe. E não se limita ao cumprimento frio da norma, mas exige reconstruir o pacto federativo em torno da valorização do magistério.

  • Instale um Conselho do Fundeb atuante. Sem ele, a execução orçamentária fica vulnerável e opaca. Sua atuação não deve ser meramente protocolar, mas deliberativa e pedagógica (CANDIDO, 2021).
  • Forme uma Comissão de Gestão Orçamentária Educacional, com servidores da educação, finanças, planejamento, sindicato e câmara. Façam juntos um diagnóstico sério das receitas e despesas. Essa comissão pode ser o embrião de uma nova cultura de responsabilização compartilhada, conforme propõe a lógica republicana da gestão democrática (PERONI, 2008).
  • Publiquem mensalmente os dados da educação com separação entre receitas próprias, Fundeb, IRRF, programas federais e despesas efetivas com pessoal, contratos, serviços e manutenção (CNM, 2025).
  • Formalizem o pedido de complementação da União, conforme previsto no art. 4º, §1º da Lei 11.738/2008. A maioria dos gestores sequer tenta — prefere repetir que “não dá”. A omissão nesse processo revela a contradição entre o discurso de crise e a prática administrativa que evita qualquer transparência (ABREU, 2018).
  • E, sobretudo, revisem os contratos ineficientes e as estruturas infladas por gratificações que não valorizam o magistério. O que se economiza aqui pode significar dignidade para quem está em sala de aula (MOCELIN, 2020).

Não há mágica. Mas há lei. E há gestão.

O piso não é o vilão. É o mínimo. O verdadeiro problema não está na lei, está na recusa de cumpri-la com inteligência administrativa e compromisso público. Como destaca FLACH (2009), o direito à educação é constantemente tensionado entre sua função emancipadora e seu uso como ferramenta de controle social. Valorizar o magistério é, nesse contexto, um ato de subversão institucional no melhor sentido do termo.

Estados como o Ceará mostram que é possível. Municípios como Sobral provam que é sustentável. O que falta, na maioria dos casos, não é dinheiro. É projeto.

Pagar o piso é declarar, com prática e não apenas com discurso, que a educação é prioridade. E isso, senhor gestor, é o que a Constituição exige de você.

Referências

ABREU, Mariza. Desafios do financiamento da educação básica no Brasil. In: CASTRO, Maria Helena Guimarães; CALLOU, Raphael. Educação em pauta: uma agenda para o Brasil. OEI, 2018, p. 101-117. Disponível em: https://link.ufms.br/dSPKB

BRASIL. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008. Institui o piso salarial nacional para os profissionais do magistério da educação básica pública.

CANDIDO, Renato Alexandre Oliveira. O regime de colaboração na constituição e nas legislações entre 1988 e 2020. Revista de Administração Educacional, v. 12, n. 2, p. 216-231, 2021. Disponível em: https://link.ufms.br/GEHoo

CNM. Marcha a Brasília e notas técnicas sobre o piso do magistério. Acesso em: https://www.cnm.org.br/

FLACH, Simone de Fátima. O direito à educação e sua relação com a ampliação da escolaridade obrigatória no Brasil. Revista Ensaio, v. 17, n. 64, p. 495-520, 2009.

MOCELIN, Marcia Regina; DONATO, Sueli Pereira. Sistemas de ensino e políticas educacionais. Contentus, 2020.

PERONI, Vera Maria Vidal. Políticas públicas e gestão da educação em tempos de redefinição do papel do Estado. VII Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul, Itajaí, SC, 2008. Disponível em: https://link.ufms.br/XHtlp

*O autor é especialista em gestão pública, auditoria e direito público

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