Câmara omissa: contas de autarquias ignoradas por anos, apesar de irregularidades no TCE-SP

Rio Claro (SP) — Se alguém lhe contasse que a Câmara Municipal de Rio Claro há décadas não fiscaliza nem julga as contas das autarquias, institutos e fundações da cidade, mesmo após análise do Tribunal de Contas, você acreditaria? Pois é exatamente isso que revela um levantamento conduzido pelo Portal Archa: o Legislativo rio-clarense tem se omitido sistematicamente de sua função constitucional e legal de julgamento das contas anuais da administração indireta do município. Embora o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) analise e julgue essas prestações de contas todos os anos — muitas vezes com ressalvas ou pareceres desfavoráveis —, a maioria sequer é colocada em pauta pela Câmara, em flagrante desrespeito à legislação e comprometendo seriamente o controle do dinheiro público.


📌 O que diz a Lei?

De acordo com a Lei Orgânica do Município de Rio Claro, compete à Câmara Municipal, com auxílio do TCE-SP, fiscalizar e julgar não apenas as contas do chefe do Executivo, mas também as prestações de contas das entidades da administração indireta, como autarquias (ex.: DAAE e IPRC) e fundações (ex.: Fundação Municipal de Saúde e FUNDUSG). Essa previsão também está presente na Constituição Federal, na Lei de Responsabilidade Fiscal, na Lei Complementar nº 101/2000 e na Lei Complementar Estadual nº 709/1993, que rege o funcionamento do TCE-SP.

O Regimento Interno da Câmara de Rio Claro, em seu artigo 5º, §2º, é categórico ao incluir entre as funções da Casa a fiscalização e o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos — incluindo a administração indireta, fundações, fundos e empresas públicas municipais.


⚠️ Contas analisadas pelo TCE-SP, ignoradas pela Câmara

Entre 2017 e 2025, o Tribunal de Contas julgou dezenas de prestações de contas das fundações e autarquias do município — muitas delas com pareceres desfavoráveis, imputações de débito e trânsito em julgado. Eis alguns exemplos:

🩺 Fundação Municipal de Saúde

  • Apenas três contas foram aprovadas desde 1996, segundo levantamento do Jornal Cidade (ver matéria).
  • Contas de 2017, 2018, 2019 foram julgadas irregulares pelo TCE-SP.

🎓 FUNDUSG – Fundação Ulysses Silveira Guimarães

  • Contas de 2019, 2020 e 2021 foram reprovadas pelo Tribunal, com apontamentos de abandono institucional, ausência de escrituração contábil e risco de dilapidação patrimonial.

💧 DAAE – Departamento Autônomo de Água e Esgoto

  • Contas de 2009 foram julgadas irregulares, com contratos e atos administrativos apontados como ilegais.

💰 IPRC – Instituto de Previdência do Município

  • As contas de 2023 estão em análise, com recomendações graves sobre gestão atuarial, nomeações e investimentos.

🟠 Nenhuma dessas decisões foi formalmente apreciada pela Câmara Municipal de Rio Claro, em flagrante omissão frente à legislação vigente.


🔎 Câmara julga seletivamente — e politicamente

Enquanto ignora contas de autarquias e fundações, a Câmara julga com rigor seletivo as contas da Prefeitura:

  • As contas de 2019 e 2020 do então prefeito foram rejeitadas (ver aqui).
  • Em contrapartida, o Jornal Cidade revelou que a Câmara aprovou contas do então vice-prefeito, mesmo diante de pareceres técnicos que indicavam problemas (ver matéria).

Essa seleção política de julgamentos coloca em xeque a imparcialidade e a função institucional do Legislativo.


📂 Resolução do TCE-SP reforça necessidade de atuação da Câmara

As Instruções 2024 do TCE-SP reforçam que a Câmara Municipal tem a obrigação de analisar todas as contas do Executivo e da administração indireta, sob pena de omissão e possível responsabilização por órgãos de controle externo, como o Ministério Público.


❗ Quando a ressalva esconde o rombo

Diversas contas foram aprovadas com ressalvas — o que, para fins de controle público, exige maior escrutínio:

  • 2021: parecer favorável às contas da Prefeitura, mas com alertas graves: alterações orçamentárias atípicas, déficit financeiro, baixa execução do Fundeb e repasses extemporâneos à Câmara.
  • 2022: parecer favorável com ressalvas e determinações, diante de déficit de 1.396 vagas em creches, falta de AVCB nas escolas, precarização educacional, contratações ilegais e uso excessivo de horas extras.
  • 2023: processo ainda em tramitação, mas já conta com relatórios quadrimestrais repletos de apontamentos, além de dois pedidos de prorrogação por parte da defesa do gestor municipal.

Esses dados, amplamente documentados, exigiriam da Câmara não apenas julgamento formal, mas ação propositiva e investigativa, como instalação de CPIs e pedidos de responsabilização administrativa.


📢 A omissão tem lado

O levantamento do Portal Archa revela que a Câmara Municipal de Rio Claro não cumpre plenamente sua função fiscalizadora e omite-se diante de graves irregularidades. Ao julgar apenas o que convém politicamente, desrespeita a Lei Orgânica, o Regimento Interno e compromete o controle institucional sobre os recursos públicos.

Para que serve um vereador que só faz requerimento, viaja ou aparece na foto ao lado do Executivo? O Legislativo de Rio Claro nunca colocou em votação as contas das autarquias e fundações do município — nem mesmo as aprovadas com ressalvas. Isso representa um grave atentado à democracia, à transparência e à moralidade administrativa.

🧾 Transparência não é seletiva. Justiça fiscalizadora também não.


📝 PETIÇÃO PÚBLICA AO MINISTÉRIO PÚBLICO

Diante dos elementos apurados e das reiteradas omissões por parte do Poder Legislativo Municipal, o Portal Archa requer formalmente ao Ministério Público do Estado de São Paulo:

  1. A instauração de procedimento investigatório civil com fundamento na Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) e no art. 129, inciso III, da Constituição Federal, para apurar os efeitos da omissão legislativa reiterada na apreciação das contas das entidades da administração indireta;
  2. A apuração de eventual responsabilidade civil, administrativa ou por improbidade, com base na Lei nº 8.429/1992, pela lesão ao patrimônio público e ao direito difuso à boa governança e à moralidade administrativa;
  3. O ajuizamento, se for o caso, de ação civil pública por dano coletivo à moralidade administrativa, visando compelir a Câmara Municipal de Rio Claro a cumprir suas obrigações constitucionais e legais;
  4. A comunicação ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e ao Ministério Público de Contas para que adotem medidas corretivas em relação à conivência ou negligência fiscalizatória constatada.

📢 Não fiscalizar é também uma forma de corrupção institucionalizada. E quem cala diante disso, consente.

Consultada via e-mail, a Câmara Municipal não comentou as alegações até a publicação desta notícia.


🔗 Fontes:

Nota editorial – responsabilidade, interesse público e liberdade de imprensa: Este dossiê tem caráter investigativo, educativo e informativo, elaborado com base em dados públicos disponíveis nos sistemas do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), na Lei Orgânica do Município, no Regimento Interno da Câmara de Rio Claro e em reportagens jornalísticas amplamente acessíveis. O conteúdo não tem por objetivo ferir a honra de qualquer agente público individualmente, mas provocar o debate público, garantir a transparência dos atos estatais e promover o controle social democrático sobre os órgãos legislativos e executivos. O Portal Archa exerce seu direito constitucional à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa e ao direito de petição garantidos nos incisos IV, IX e XXXIV do artigo 5º da Constituição Federal, reafirmando seu compromisso com a verdade factual, com a democracia participativa e com a moralidade administrativa.

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