📉 Choques externos e dívida privada: estudo contesta narrativa do “Governo gastador”

Por Portal Archa

Há anos, manchetes, colunistas e políticos repetem um mantra quase religioso: “o governo gastou demais, quebrou o Brasil e agora precisa cortar para se equilibrar”. É o discurso que legitima cortes em saúde, educação e assistência social, enquanto pede “responsabilidade” — sempre dos mais pobres. Mas um estudo publicado na Brazilian Keynesian Review joga luz sobre o que essa narrativa apaga: a crise fiscal não nasceu de programas sociais ou do suposto “Estado gastador”, mas de choques externos e do desequilíbrio do setor privado.

📊 O que diz o estudo?

O artigo, assinado por Martin Branco Kirsten e Henrique Morrone (UFRGS), analisa dados de 2002 a 2017 para investigar como o saldo financeiro do setor público está relacionado ao saldo do setor privado e ao saldo externo (conta com o resto do mundo).

Eles aplicam um teste estatístico rigoroso (cointegração de Johansen) para responder: os saldos se movem de forma interdependente ou não?

✅ Resposta: Sim. Os déficits públicos não surgem do nada. Eles se relacionam diretamente com o comportamento do setor privado e do setor externo.

🟢 Os números expõem o mito

📌 Em 2008, o setor público tinha superávit de +1,86% do PIB.

📌 Em 2017, passou para déficit de -1,72% do PIB.

Superficial? Sim. Porque quem só olha para o resultado fiscal ignora o que mudou na economia brasileira.

Veja o que aconteceu no mesmo período:

Saldo do setor privado (empresas e famílias):

  • 2010: -4,04% do PIB (forte investimento, empresas se endividando para crescer).
  • 2016: +2,56% do PIB (desalavancagem — cortando investimento para pagar dívidas).

Saldo externo:

  • 2006: +0,73% do PIB.
  • 2014: -3,88% do PIB (queda brutal dos preços das commodities).

Em português claro: o Brasil sofreu um choque externo (exportava menos, ganhava menos em dólar) ao mesmo tempo em que o setor privado parou de investir e passou a pagar dívidas.

Quem absorveu o rombo? O Estado.

🔎 A economia não é um condomínio

O estudo desmonta a ideia infantil de que o governo “gasta demais como um pai irresponsável.”

Em uma economia interligada:
✔️ Quando famílias e empresas param de gastar, o governo perde arrecadação.
✔️ Quando empresas não investem, o emprego cai e o consumo desaba.
✔️ Quando o setor externo paga menos pelo que exportamos, falta moeda estrangeira.

Nesse cenário, o Estado tem duas opções:
✅ Gastar mais para segurar a demanda (o que gera déficit).
✅ Cortar gastos — aprofundando a recessão.

Foi exatamente isso que os autores demonstraram com o teste econométrico: os déficits públicos não foram causa, mas consequência de choques externos e do ajuste brutal do setor privado.


⚠️ O ajuste cego é o veneno, não o remédio

A narrativa de que “o problema é o gasto do governo, sobretudo com os pobres” serve a um projeto político: justificar cortes sociais enquanto protege lucros e juros.

O estudo mostra que políticas de ajuste que só focam no déficit público ignoram o elefante na sala:

✔️ O desequilíbrio externo estrutural.
✔️ A dívida privada que trava investimento.
✔️ A dependência de commodities que nos torna vulneráveis a choques internacionais.


💡 E o que fazer, então?

Embora o artigo não seja um plano de governo, ele deixa pistas claras:

Política fiscal anticíclica: gastar mais em recessão, economizar em boom. Ajustar não significa cortar sempre — significa regular o ciclo.

Reduzir vulnerabilidade externa: investir em indústria, inovação e diversificação para não depender de preço de soja e minério.

Organizar o endividamento privado: criar instrumentos de crédito produtivo e mecanismos de renegociação ordenada.

Integrar política econômica: fiscal, monetária, cambial e industrial precisam conversar — não se anularem.

Ajustar só o setor público é como dar remédio para febre enquanto a infecção se espalha.


🗨️ Para o Archa, fica o recado:

O debate econômico brasileiro precisa parar de tratar a população como idiota. Dizer que o problema fiscal é culpa dos gastos sociais é uma fraude política.

Se queremos um Estado capaz de garantir direitos e promover desenvolvimento, precisamos encarar o modelo produtivo, o comportamento do setor privado e a inserção internacional do Brasil.

Não adianta mirar no déficit público e esquecer quem realmente levou o país à crise.


📎 Fonte:

KIRSTEN, Martin Branco; MORRONE, Henrique. Choques externos e desequilíbrios financeiros setoriais na economia brasileira (2002–2017). Brazilian Keynesian Review, v. 8, n. 1, 2022.



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