Aprovada LDO com 20% de margem para prefeito remanejar recursos — risco de “emenda PIX municipal” preocupa

A Câmara Municipal de Rio Claro aprovou, esta semana, em segunda discussão a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2026, estabelecendo regras para a elaboração do orçamento do próximo ano. Entre os dispositivos que mais merecem atenção está o artigo 25, que autoriza o prefeito a remanejar até 20% de todas as dotações orçamentárias por decreto, sem precisar de nova lei específica ou aprovação legislativa para cada mudança.

Na prática, quase um quinto do orçamento poderá ser redistribuído diretamente pelo Executivo, sem debate ou votação adicional.

Especialistas em Direito Público explicam que essa flexibilidade é necessária — mas deve ser limitada e controlada. A Lei Federal 4.320/64 permite autorizações para créditos suplementares por decreto, mas impõe que o Legislativo fixe limites claros.

No Brasil, é comum adotar margens de 5% a 10% para essa autorização, garantindo espaço para ajustes técnicos sem abrir mão de planejamento real.

✅ Em Rio Claro, a autorização de 20% é o dobro do limite que costuma ser recomendado por órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM).

Essa escolha política tem consequências diretas: enfraquece o poder de fiscalização da Câmara e permite que o Executivo mude prioridades orçamentárias sem consulta à sociedade.

📌 Um paralelo com as “emendas PIX” federais

No Congresso Nacional, as chamadas “emendas PIX” ficaram conhecidas por permitir transferências volumosas de recursos para municípios sem transparência ou critério técnico claro — fortalecendo alianças políticas e criando desigualdade no acesso aos recursos públicos.

Embora não sejam a mesma coisa juridicamente, o espírito do art. 25 da LDO municipal permite um movimento análogo: o prefeito poderá direcionar até 20% do orçamento para onde quiser, por decreto.

Em um cenário político onde secretarias municipais estão ocupadas por candidatos derrotados de partidos que apoiam a base governista, esse poder se torna ainda mais sensível:

  • Poderia haver remanejamentos privilegiando pastas controladas por aliados.
  • Projetos mais politicamente convenientes poderiam ganhar verba à custa de áreas menos “eleitoralmente interessantes”.

📌 Falta de prioridades claras

Outro ponto crítico é que a própria LDO 2026 aprovada não define quais serão as prioridades e metas para o próximo ano, remetendo essa função para o Plano Plurianual (PPA) 2026–2029, que ainda será enviado.

Ou seja: o Executivo já ganhou autorização para mover 20% do orçamento sem que a sociedade sequer saiba quais são as prioridades oficiais para o ano.

📌 O que dizem os especialistas

O professor José Maurício Conti (USP), em artigo para a Revista Consultor Jurídico, resume o problema:

“Os instrumentos de flexibilidade orçamentária devem ser sempre utilizados para cumprir o que foi estabelecido pela lei orçamentária em seu aspecto essencial […] sem, com isso, descaracterizá-la e fazer dela uma peça de ficção.”

Em outras palavras, um orçamento com margem ampla para remanejamento, sem prioridades claras, corre o risco de ser apenas um ritual formal — e não um verdadeiro plano de governo aprovado democraticamente.

📌 Para além do “é assim mesmo”

É importante reconhecer que essa prática não começou agora. Muitas cidades brasileiras têm histórico de aprovar margens generosas para suplementações por decreto, criando zonas cinzentas na execução orçamentária.

Mas é justamente por ser tradição que precisa ser debatida.
Se Rio Claro quer amadurecer institucionalmente, precisa encarar de frente essa discussão:

  • Qual é o limite aceitável para remanejamento por decreto?
  • Como evitar o uso político-eleitoral da flexibilidade orçamentária?
  • Como garantir que o orçamento reflita de fato o debate público e as necessidades da cidade?

A aprovação da LDO 2026 com autorização para remanejar 20% do orçamento por decreto é legal, mas politicamente problemática.

Em um contexto de secretarias ocupadas por quadros políticos derrotados, essa flexibilidade mal regulada pode funcionar como uma “emenda PIX municipal” — canalizando recursos para aliados sem transparência ou planejamento técnico.

Para avançar, Rio Claro precisa debater novos limites, novos controles e mais transparência na execução do orçamento. Não basta cumprir a lei — é preciso respeitar o espírito republicano do planejamento público.


Para consulta:

  • Lei Federal nº 4.320/64, art. 7º
  • Constituição Federal de 1988, art. 165
  • José Maurício Conti. “Flexibilidade orçamentária deve ser usada com moderação”. Revista Consultor Jurídico, 20 set. 2016. Leia aqui

Leia aqui o projeto aprovado:


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