Formação continuada ajuda professoras a permanecerem na carreira, mostra estudo

A promessa de que “formação continuada” resolverá a crise da carreira docente tem se transformado em fetiche de políticas públicas e planos de governo. Mas um estudo recém-publicado na Perspectivas em Diálogo: Revista de Educação e Sociedade lança um alerta incômodo: quando esses processos se reduzem a formalidade ou repasse técnico, não só fracassam como reforçam a alienação do trabalho docente.

O artigo, intitulado “Por que continuo professora? A significação da atuação docente em formação continuada”, assinado por Julia Gardini dos Anjos (UEM), Edilson de Araújo dos Santos (UFGD) e Luciana Figueiredo Lacanallo Arrais (UEM), revisita teses e dissertações defendidas entre 2013 e 2023 para perguntar: o que faz professoras permanecerem na carreira?

A questão, longe de ser apenas uma curiosidade acadêmica, toca o nervo exposto das redes públicas de ensino: altas taxas de desistência, desmotivação crescente, jornadas precárias e o esvaziamento simbólico da docência. Segundo os autores, esse fenômeno tem relação direta com o sentido e significado atribuídos à atividade docente, conceitos trabalhados pela Teoria Histórico-Cultural de Vigotski e Leontiev.

Para além do jargão pedagógico, o estudo propõe um diagnóstico contundente: o magistério tornou-se para muitas docentes uma prática desprovida de sentido pessoal, aprisionada em significados históricos e institucionais que impõem controle, padronização e alienação. Em outras palavras, formações continuadas que não enfrentam essa contradição tendem a falhar.

Achado central

A pesquisa evidencia que não basta oferecer cursos ou capacitações formais. O impacto real ocorre somente quando os processos formativos são vividos como “atividade humana” no sentido pleno — coletivos intencionais que permitam a reflexão crítica, a apropriação ativa de conceitos e a articulação entre teoria e prática.

O artigo organiza esse achado em duas dimensões:

Forma – os espaços de aprendizagem: momentos coletivos, planejados com intencionalidade, nos quais professores se colocam em atividade reflexiva, compartilham experiências, negociam sentidos e redefinem sua prática. Sem isso, a formação vira rito vazio.

Conteúdo – os saberes trabalhados: não apenas conteúdos disciplinares ou metodológicos, mas reflexões críticas sobre planejamento, inclusão, avaliação, didática, sempre vinculadas ao contexto vivido.

Para sustentar essa análise, os autores revisitram estudos de caso concretos. Em alguns, formadoras conseguiram transformar reuniões de ATPC em espaços de estudo coletivo. Em outros, encontros se tornaram burocráticos, servindo para recados administrativos ou cumprimento de calendário — reforçando o esvaziamento da profissão.

O que está em jogo, como lembram, é a dimensão política da formação docente. Uma formação alienante, padronizada, descontextualizada, contribui para consolidar um modelo de escola disciplinar, reprodutora de desigualdades, sem espaço para autonomia docente ou diálogo crítico com os saberes.

Já as experiências que deram certo foram aquelas que reconheceram o docente como sujeito histórico, capaz de reelaborar coletivamente sua prática. Como afirmam os autores, “ao serem possibilitados momentos de estudos e reflexões sobre docência, o sujeito em atividade formativa mobiliza novos motivos geradores de sentido”.

Em última instância, o estudo nos obriga a enfrentar um dilema incômodo: queremos professores disciplinados ou professores críticos? Se escolhermos a segunda opção, não há atalho técnico: é preciso investir em espaços de aprendizagem que sejam, ao mesmo tempo, coletivos, críticos, vinculados ao chão da escola e abertos ao diálogo com a teoria.

O artigo está disponível em acesso aberto na Perspectivas em Diálogo: Revista de Educação e Sociedade – Perspectivas em Diálogo, Naviraí, v. 12, n. 31, p. 356-377, abr./jun. 2025

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