🎓 Cotas indígenas: acesso sem permanência é só promessa constitucional

Estudo revela que a Universidade do Estado do Amazonas abriu caminhos para o ensino superior indígena, mas esbarra em evasão, subfinanciamento e disputa judicial.

A política de cotas indígenas da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) é, ao mesmo tempo, símbolo de conquista e retrato de contradições. Segundo o artigo de Ana Júlia Damasceno, Pedro Victor Vieira e Bianor Nogueira Saraiva Júnior, publicado nos Anais do I Seminário sobre Avaliação da Legislação de Cotas da UEA, o sistema de cotas étnicas implantado em 2005 representou um marco histórico na luta por equidade e reparação dos povos originários. Mas a permanência estudantil segue sendo o elo mais frágil da política afirmativa.

Com uma população indígena que representa cerca de 30% dos habitantes do estado do Amazonas, a criação de uma cota proporcional para ingresso no ensino superior público estadual foi fruto de mobilização direta dos movimentos indígenas, sobretudo do MEIAM (Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas) e da COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). Em 2002, a proposta foi levada à Assembleia Legislativa, culminando na Lei Estadual nº 2.894/2004, que garantiu percentuais de vagas proporcionais à população indígena.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o artigo que previa reserva de 80% das vagas para estudantes oriundos do Amazonas, sob o argumento de violação do princípio da isonomia. Como resposta, a UEA e o Governo do Estado apresentaram o Projeto de Lei nº 279/2024, ainda pendente de sanção, que propõe nova divisão: 50% para candidatos do estado e 50% para estudantes de todo o país, mantendo as subdivisões específicas para indígenas.

O artigo reconhece o papel da estrutura multicampi da universidade como diferencial para o acesso, permitindo que indígenas de municípios como São Gabriel da Cachoeira ingressem sem precisar migrar para a capital. Ainda assim, os autores denunciam que o acesso não garante a permanência. Dados de 2005 a 2013 indicam que quase 30% dos estudantes indígenas desistiram do curso, principalmente por falta de suporte financeiro. Em 2023, apenas 5% das bolsas ofertadas pela universidade foram destinadas a alunos da cota étnica.

Além da evasão, o estudo aponta para uma segunda camada de marginalização: a simbólica. Muitos estudantes retornam às comunidades sem conseguir concluir a graduação, o que perpetua a exclusão histórica e reduz o alcance transformador das ações afirmativas. A UEA chegou a oferecer um curso específico de licenciatura plena para professores indígenas no Alto Solimões, formando 200 docentes — mas iniciativas como essa são pontuais diante da demanda reprimida.

A pesquisa reforça que incluir é diferente de integrar. Para que o sistema de cotas cumpra seu papel político, reparador e social, é preciso ir além da disputa por vagas. Segundo o artigo, sem políticas de acolhimento, moradia estudantil, auxílio permanente e respeito às identidades culturais, o risco é transformar a inclusão em mera estatística.

O estudo conclui que a política de cotas indígenas da UEA é uma iniciativa positiva e necessária, mas ainda incompleta. Exige aprimoramentos, escuta ativa das comunidades e maior investimento público para garantir que os estudantes indígenas ingressem, permaneçam e se formem — não como exceção, mas como parte integrante de um projeto de sociedade inclusiva e pluriversal.


📚 Referência:
DAMASCENO, Ana Júlia Almeida; VIEIRA, Pedro Victor Maciel; SARAIVA JÚNIOR, Bianor Nogueira. Inserção da população indígena na Universidade do Estado do Amazonas: o sistema de cotas como atenuante da marginalização indígena no Amazonas. In: Anais do I Seminário Avaliação da Legislação de Políticas de Cotas da Universidade do Estado do Amazonas à luz da legística e da Constituição Federal. 2024.


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