Nova Lei de Licitações promete integridade, mas fragilidades legais ainda abrem brechas para corrupção

Apesar do reforço ao princípio da probidade, práticas como dispensas indevidas, contratos fracionados e uso político da administração ainda comprometem a moralidade pública nas contratações.

Por Antonio Archangelo
Para o Portal Archa


Em abril de 2021, a promulgação da Lei nº 14.133/2021, conhecida como a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, foi saudada como um divisor de águas para a integridade pública no Brasil. Com promessas de modernizar os processos, garantir a economicidade e reforçar a moralidade administrativa, a nova norma tentou colocar fim a um modelo engessado e vulnerável às velhas práticas de conchavo e corrupção.

Mas será que bastam novas leis para mudar uma cultura?

Um estudo publicado na Revista Foco pelas pesquisadoras Karolainy Freitas e Raísa Siqueira lança luz sobre as promessas — e os limites — da nova legislação. O artigo analisa o princípio da probidade administrativa sob a ótica da nova lei e conclui: as brechas permanecem, e o problema nunca foi só jurídico — é político, ético e institucional.

A nova lei atualizou regras de licitação, criou o diálogo competitivo, reforçou o papel dos pregoeiros e redefiniu os limites de dispensa de licitação para pequenas contratações. Em tese, tudo mais transparente, mais célere, mais racional.

Na prática, no entanto, o velho truque do fracionamento indevido de contratos, o uso indevido de dispensas e inexigibilidades, e a falta de controle interno efetivo ainda permitem que atos ímprobos prosperem.

As autoras mostram que a dispensa de licitação, embora legal em certos casos, segue sendo usada para evitar concorrência real, especialmente em contratações de pequeno valor, onde a fiscalização é mais frouxa e os controles mais frágeis.

O estudo reforça que nem toda ilegalidade configura improbidade administrativa, mas toda improbidade carrega em si o elemento da má-fé, do dolo e da ruptura com o interesse público. A questão, portanto, é menos jurídica e mais ética: por que tantos gestores tratam a coisa pública como extensão de interesses privados?

De acordo com as autoras, a cultura institucional brasileira ainda tolera a “flexibilização moral” no uso de verbas públicas, especialmente em tempos de exceção ou em governos locais com baixa capacidade de fiscalização. A nova lei, sozinha, não resolve isso.


Compliance ainda engatinha

O artigo também avalia o papel do compliance público como mecanismo preventivo. Embora previsto desde 2016 (Lei nº 13.303), ele ainda é raridade fora dos grandes centros e, mesmo onde existe, sofre com falta de estrutura e autonomia.

A exigência legal de programas de integridade para empresas contratadas pelo poder público é um avanço, mas sem controle social e atuação rigorosa dos órgãos de fiscalização, tudo pode virar protocolo de fachada.

O texto aponta que a chave para romper o ciclo da improbidade está no fortalecimento da transparência e da participação social. A atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) é destacada como fundamental, mas insuficiente sem pressão popular e canais de denúncia acessíveis.

Os pesquisadores reforçam que a probidade administrativa precisa deixar de ser apenas um princípio jurídico para se tornar um valor compartilhado pela sociedade e pelos próprios servidores públicos.

A Nova Lei de Licitações impôs novos marcos, endureceu regras e criou mecanismos mais sofisticados de controle. Mas, como aponta o estudo, o Brasil não sofre por falta de leis, mas pela fragilidade na sua aplicação e pela normalização da exceção como regra.

Enquanto a impunidade continuar sendo tolerada politicamente e a fiscalização for tratada como inconveniente, a probidade seguirá sendo artigo de retórica — e não de rotina.


📖 Leia o artigo completo:
A (Im)probidade Administrativa na Nova Lei de Licitações
DOI: 10.54751/revistafoco.v18n7-039


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