Artigo 5º da Constituição: garantias no papel, violações na prática

Estudo analisa como os direitos fundamentais seguem como promessa não cumprida para a maioria da população brasileira — e como a seletividade do Estado mina o pacto constitucional de 1988.

Por Antonio Archangelo
Para o Portal Archa


Mais de três décadas após a promulgação da Constituição de 1988, o chamado “artigo dos direitos fundamentais” continua sendo citado em discursos oficiais, sentenças judiciais e peças publicitárias do Estado como símbolo máximo da cidadania brasileira. Mas para quem vive nas margens — geográficas ou simbólicas — da sociedade, o Artigo 5º ainda não chegou.

O estudo publicado na Revista Fórum por Aline de Oliveira e Renan Silva se debruça sobre a efetividade real do Art. 5º da Constituição, aquele que consagra direitos como vida, liberdade, igualdade, segurança, propriedade, liberdade de expressão e inviolabilidade da intimidade, entre outros. O texto parte de uma constatação incômoda: há um abismo entre o que a Constituição promete e o que o Estado efetivamente garante.

Em um país onde milhares de pessoas seguem sendo mortas pela polícia, censuradas por estruturas de poder e impedidas de acessar o Judiciário por falta de recursos, a ideia de que todos são iguais perante a lei soa mais como ironia institucional do que como cláusula pétrea. E isso, argumentam os autores, não se deve à falta de previsão legal — mas à seletividade estrutural do sistema.


Constituição para quem?

O artigo aponta que o Artigo 5º reúne mais de 70 incisos com garantias e direitos individuais, coletivos e sociais, mas sua aplicação não é universal, tampouco equânime. A efetividade desses direitos depende de uma série de fatores estruturais: acesso à Justiça, à informação, ao território, à segurança pública desmilitarizada — e à própria linguagem jurídica, muitas vezes inacessível ao cidadão comum.

Na prática, os mesmos direitos que deveriam proteger o indivíduo contra abusos do poder estatal ou de grupos privados acabam se tornando letra morta quando confrontados com o cotidiano da desigualdade brasileira. A seletividade penal, por exemplo, faz com que o direito à liberdade seja sistematicamente negado a pessoas negras e periféricas, ao passo que a propriedade privada segue blindada — mesmo quando construída à base de ilegalidades ambientais, fundiárias ou fiscais.


Direitos fundamentais sob ameaça difusa

Os autores também alertam para um fenômeno recente e preocupante: a erosão simbólica do Artigo 5º por forças político-institucionais que relativizam sua centralidade. Dispositivos como o direito à manifestação, à privacidade ou à inviolabilidade do lar são cada vez mais violados sob o pretexto da segurança nacional, do combate à desinformação ou da “defesa da família”.

Essa lógica de exceção — muitas vezes sustentada por interpretações conservadoras ou pela omissão deliberada de agentes públicos — transforma direitos em concessões. O resultado é um cenário de insegurança jurídica, onde o cidadão nunca sabe se aquilo que está escrito na Constituição será reconhecido em sua realidade concreta.


Da promessa à luta: o que resta ao cidadão?

O estudo conclui que a efetividade do Artigo 5º depende menos de reformas legislativas e mais de pressão social, educação popular em direitos e fortalecimento dos espaços de resistência cidadã. A Constituição de 1988, ao contrário do que muitos repetem, não é “cidadã” por essência — mas por disputa. E essa disputa precisa ser atualizada constantemente, sobretudo diante de ofensivas autoritárias, cortes de direitos e judicializações seletivas.

O texto faz um chamado à vigilância democrática: não basta conhecer seus direitos — é preciso exercê-los, exigir sua concretização e denunciar quando forem violados. Num país onde o Supremo Tribunal Federal se torna protagonista político e o Congresso ensaia recuos em garantias fundamentais, cabe ao povo reafirmar que a Constituição não é adorno retórico — é ferramenta de transformação.


📜 Leia o artigo completo:
A Constituição de 1988 e a sociedade contemporânea: a efetividade do artigo 5º no Brasil de hoje

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