A escrita como prática de autocuidado, defendida pelo imperador e filósofo estoico Marco Aurélio em sua obra Meditações, ressurge como um recurso potente para a formação subjetiva crítica na educação contemporânea. Publicado na revista IF-Sophia, o estudo de Daniel Vandresen e Danielly Alonso propõe uma abordagem pedagógica inspirada na filosofia estoica: transformar a escrita em uma ferramenta de atenção, escuta interior e resistência à alienação digital.
O projeto, desenvolvido no Instituto Federal do Paraná (IFPR), levou estudantes do ensino médio técnico a experimentarem atividades de escrita baseadas em excertos de Meditações. As reflexões dos jovens, provocadas por temas como finitude, tempo, trabalho, rotina e morte, revelaram não apenas inquietações existenciais, mas uma rara capacidade de análise da própria vida — gesto cada vez mais escasso numa cultura movida a fluxos apressados e algoritmos emocionais.
Com base nas interpretações de Michel Foucault e Pierre Hadot, os autores analisam o conceito de cuidado de si como um gesto ético e político: voltar-se para dentro, para o que nos afeta, nos habita e nos move. A escrita, nesse contexto, funciona como exercício espiritual, não no sentido religioso, mas como técnica de subjetivação — um modo de produzir a si mesmo através da linguagem.
Os resultados são reveladores: enquanto alguns estudantes narraram episódios traumáticos como mortes na família ou crises de ansiedade, outros refletiram sobre o automatismo da vida cotidiana, o esvaziamento das relações e a importância de parar. Parar para escutar. Parar para anotar. Parar para se ler.
Segundo os autores, esse tipo de prática rompe com a lógica da escola que forma para o desempenho e não para o pensamento. “A escrita filosófica tem papel importante, visto que auxilia significativamente no processo de autoanálise, possibilitando verticalizar as emoções e experiências cotidianas”, escrevem os pesquisadores.
Num mundo marcado pela aceleração, pelo excesso de telas e pela superficialidade da linguagem, essa proposta parece quase subversiva. Afinal, ensinar a escrever para si, a pensar-se por escrito, é também ensinar a resistir — ao ruído, à desatenção e ao esquecimento de si.
Referência completa:
VANDRESEN, Daniel Salésio; ALONSO, Danielly Pereira. Marco Aurélio e a escrita como prática do cuidado de si: inferências da escrita filosófica no ensino de Filosofia. IF-Sophia – Revista eletrônica de investigação filosófica, científica e tecnológica, Ano XI, v. XI, n. XXIX, p. 79-93, jul. 2025. ISSN 2358-7482. Disponível em: https://revista.ifsophia.edu.br (ou link conforme publicação oficial).
