Em meio a um cenário de desinformação em rede, crises de legitimidade e tentativas recorrentes de captura institucional, a palavra “governança” parece, à primeira vista, um termo neutro, técnico, quase inofensivo. Mas a edição 118 da revista FOCO+, publicação do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM), sugere um movimento silencioso, porém estratégico: reposicionar a governança pública como uma ferramenta de resistência democrática.
Embora a revista se mantenha no campo da diplomacia institucional, os sinais estão ali. O editorial abre o jogo ao propor que a governança deve alinhar missão pública e bem comum “em tempos de negação do saber técnico e da erosão das instituições”. É uma afirmação que, lida no subtexto, reconhece a urgência de reforçar a máquina pública não apenas contra a má gestão, mas contra os vetores autoritários que se infiltram sob o disfarce da eficiência ou da vontade popular mal informada.
A publicação mostra como o TCE-AM vem apostando na formação continuada, no uso de tecnologias de auditoria, na ampliação do acesso à informação e em práticas de escuta social. Mas, mais do que relatar boas práticas, a revista esboça um novo imaginário: o de um controle público que age não só como fiscalizador de contas, mas como guardião do pacto democrático.
Essa virada de chave é especialmente visível na entrevista com o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, que defende que os órgãos de controle deixem de ser meros verificadores para se tornarem agentes de transformação institucional. A frase parece simples, mas esconde um deslocamento fundamental: sair do conforto da neutralidade técnica e assumir uma postura ética frente à democracia.
Em tempos de populismo digital, negacionismo da ciência e deslegitimação do servidor público, a governança se torna não apenas uma ferramenta de gestão, mas um ato de posicionamento institucional. Trata-se de decidir, por exemplo, se os dados públicos serão compreensíveis aos cidadãos ou apenas performáticos; se o controle social será incentivado ou sufocado por jargões legais; se a integridade será princípio ou apenas protocolo.
Ao abordar temas como saúde mental dos servidores, LGPD e cidadania digital, ainda que timidamente, a revista sinaliza que o TCE-AM está atento aos pontos de inflexão entre técnica e política, entre número e direito, entre dado e dignidade.
A FOCO+ 118, portanto, não é só uma revista institucional: é também um manifesto velado. Um chamado para que as instituições de controle público deixem de lado a fantasia da neutralidade e assumam seu papel na contenção da barbárie. Governança, neste contexto, não é moda gerencial. É trincheira. E resistir, hoje, também se faz com orçamento, dados e relatórios — desde que estejam a serviço da vida democrática.
Referência
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS. FOCO+ n. 118: Governança, cidadania e sustentabilidade. Manaus: TCE-AM, jul. 2024. Revista institucional.
