O Brasil tem, há quase um século, um discurso oficial claro: professores precisam ter formação universitária para garantir uma educação pública de qualidade. Mas, segundo um estudo recente, essa promessa se arrasta desde 1932 sem nunca se concretizar plenamente — e a própria lei continua abrindo exceções que fragilizam a profissão.
A pesquisa, conduzida por Kally Samara Silva Medeiros Gomes (Instituto Federal da Paraíba) e Lenilda Rêgo Albuquerque de Faria (Universidade Federal do Acre), revisitou dois marcos históricos da educação brasileira: o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) e o Manifesto dos Educadores (1959). Ambos defenderam princípios como laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e unicidade do ensino, com um ponto comum e contundente: a exigência de formação superior para todos os docentes.
O estudo mostra que esses ideais influenciaram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) tanto em sua primeira versão, de 1961, quanto na de 1996, ainda vigente. Mas em nenhum dos dois casos a regra se tornou absoluta. A LDB de 1961 criou percursos diferentes para quem ensinava no primário e no ensino médio; a de 1996 manteve a contradição, permitindo que professores da educação infantil e dos primeiros anos do fundamental atuem apenas com formação em nível médio.
Mais do que um detalhe técnico, essa brecha — apontam as autoras — mina a construção de uma identidade docente unificada e valorizada. “A legislação que institui o nível superior como regra admite, ao mesmo tempo, que a exceção seja a norma para grande parte da base do sistema educacional”, resumem.
O trabalho também alerta para retrocessos recentes, como a inclusão, via Medida Provisória nº 746/2016, da figura do “profissional de notório saber” na educação básica, o que abre espaço para atuação sem formação pedagógica. Para as pesquisadoras, essa lógica enfraquece a docência enquanto profissão intelectual e compromete a qualidade da escola pública.
Ao retomar 90 anos de debates, manifestos e leis, o estudo sugere que o maior desafio da educação brasileira não está apenas em criar novas normas, mas em fechar as portas que, de forma silenciosa, mantêm vivas as velhas concessões.
Referência:
GOMES, Kally Samara Silva Medeiros; FARIA, Lenilda Rêgo Albuquerque de. Semelhanças entre o Manifesto de 1932 e o de 1959 anunciadas nas Leis nº 4.024/61 e nº 9.394/96, com ênfase na formação de professores. Revista Observatorio de la Economia Latinoamericana, v. 23, n. 7, p. 1-19, 2025. DOI: 10.55905/oelv23n7-201.

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