Fundo público: disputa entre direitos sociais e a máquina da dívida

Conferência de Evilasio Salvador mostra que, no Brasil, o fundo público é apropriado pela elite financeira enquanto políticas sociais seguem subfinanciadas

O economista e professor da UnB, Evilasio Salvador, apresentou em 2014 no II Simpósio Orçamento Público e Políticas Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL) uma análise contundente sobre o papel do fundo público no Brasil. O texto-base da conferência foi construído a partir de sua pesquisa de pós-doutorado, financiada pela CAPES e supervisionada pela professora Elaine Behring na UERJ, com apoio institucional da UnB.

Orçamento: não é técnica, é política

Segundo Salvador, o fundo público — formado pela capacidade do Estado de mobilizar recursos via tributos, empresas estatais e orçamento — não é neutro, mas campo de disputa entre projetos sociais e o rentismo financeiro. O orçamento, lembra ele, “não é peça técnica, mas escolha política”, refletindo correlação de forças entre classes e frações de classe.

A Carta de 1988 descentralizou competências e ampliou o papel de estados e municípios na execução de políticas sociais. Mas não trouxe receitas proporcionais: municípios e estados ficaram com obrigações crescentes sem o devido aporte fiscal. Isso gerou um federalismo cooperativo incompleto, marcado por competição e desigualdades regionais.

Entre 2008 e 2012, o serviço da dívida consumiu, em média, mais de 25% do orçamento público, chegando a 32% em 2012 — R$ 481 bilhões destinados a rentistas. Estima-se que 80% dos juros pagos beneficiem apenas 20 mil famílias. Resultado: saúde, educação e assistência social seguem abaixo dos padrões internacionais, enquanto o orçamento é capturado pela lógica financeira.

Tributação regressiva: o peso sobre os pobres

Outro ponto central é a regressividade da carga tributária: mais da metade da arrecadação (55,7% em 2011) vem de tributos sobre consumo, que penalizam os mais pobres. Já os impostos sobre renda e patrimônio são minoritários (10,7% e 1,3% do PIB, respectivamente). Ou seja, o fundo público é financiado majoritariamente pelos trabalhadores, mas apropriado pelo capital financeiro.

O diagnóstico é duro: o fundo público, que deveria sustentar políticas universais e reduzir desigualdades, foi sequestrado pelo rentismo. O pacto federativo, vendido como descentralização democrática, na prática sobrecarregou entes locais e fragilizou o financiamento de direitos.

Provocação final: O Brasil não sofre de falta de dinheiro, mas de disputa política. Enquanto o fundo público financiar 20 mil famílias rentistas em vez de 200 milhões de cidadãos, falar em “direito social universal” será apenas retórica constitucional.


📌 Referência:
SALVADOR, Evilasio. Fundo Público e Financiamento das Políticas Sociais no Contexto do Federalismo Brasileiro do Século XXI. Texto-base da conferência proferida em 08 de abril de 2014 no II Simpósio Orçamento Público e Políticas Sociais, Universidade Estadual de Londrina (UEL). Pesquisa de pós-doutorado financiada pela CAPES, supervisionada por Elaine Behring (UERJ), com licença da Universidade de Brasília (UnB).

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