Conflitos geopolíticos expõem limites do direito constitucional e impulsionam ativismo judicial

Estudo de Marcela Basterra mostra que guerras, terrorismo e autoritarismo fragilizam direitos fundamentais e exigem respostas estruturais dos tribunais

Guerras, terrorismo, crises ambientais e avanço do autoritarismo estão corroendo as garantias constitucionais em todo o mundo. Um estudo publicado na Revista de Direito Público analisa como os conflitos geopolíticos afetam o direito processual constitucional, criando um dilema entre soberania estatal e obrigações internacionais de proteger os direitos humanos. A autora, Marcela Izascum Basterra, doutora em Direito e presidenta do Conselho da Magistratura de Buenos Aires, argumenta que, diante dessas crises, o papel dos tribunais precisa ir além da aplicação mecânica das leis, assumindo formas de ativismo judicial e litígios estruturais.

Contexto: emergência permanente e erosão democrática

Segundo Basterra, o século XXI é marcado por uma “nova era de conflitos e violência” descrita pela ONU: guerras de longa duração (como a da Ucrânia), terrorismo, ciberataques com uso de inteligência artificial e catástrofes climáticas. Esses fenômenos têm servido de justificativa para a normalização de estados de exceção e restrições desproporcionais de direitos — quase sempre atingindo os setores mais vulneráveis.

O resultado é uma erosão democrática: medidas excepcionais se tornam permanentes, ampliando o controle estatal e minando os sistemas de pesos e contrapesos constitucionais.

América Latina: desigualdade, violência e exclusão judicial

O texto dedica especial atenção ao contexto latino-americano, onde desigualdade extrema, exclusão social, violência armada e violação sistemática de direitos humanos criam um terreno fértil para abusos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos já decidiu casos emblemáticos, como o “Campo Algodonero vs. México” (2009), sobre feminicídios em Ciudad Juárez, e o “Lhaka Honhat vs. Argentina” (2020), sobre violação de direitos indígenas.

Mas Basterra alerta: a região ainda convive com sistemas de justiça frágeis, muitas vezes capturados por interesses políticos e incapazes de garantir acesso efetivo à justiça a populações pobres, indígenas e deslocadas pela violência.

Soluções: litígios estruturais e novas formas de ativismo

O artigo aponta que a jurisdição constitucional precisa se reinventar. Modelos clássicos de litígios individuais não dão conta de violações massivas e estruturais de direitos. Daí a importância dos litígios estruturais, que já vêm sendo usados por tribunais como a Corte Constitucional da Colômbia (com a figura do “estado de coisas inconstitucional”) e a Corte Suprema da Argentina em casos como “Verbitsky” (2005) e “Mendoza” (2008).

Essas decisões não se limitam a reparar vítimas individuais, mas redesenham políticas públicas, obrigando governos a agir para corrigir causas sistêmicas de violações. É o que Basterra chama de judiciário comprometido, capaz de criar diretrizes e induzir mudanças institucionais em contextos de crise.

Comentário crítico: entre soberania e direitos universais

O dilema central exposto pelo artigo é o seguinte: até que ponto os Estados podem restringir direitos em nome da segurança, sem trair os princípios constitucionais que legitimam sua própria existência?

Provocação final: Se a guerra é a negação do direito, como dizia Ferrajoli, o ativismo judicial pode ser uma forma de resistência — uma tentativa de manter vivos os direitos fundamentais quando a política os declara descartáveis.


📌 Referência:
BASTERRA, Marcela Izascum. Conflictos Geopolíticos y Derecho Procesal Constitucional: Litigios Estructurales y Activismo Judicial. Revista de Direito Público, Brasília, v. 22, n. 113, e8245, jan./mar. 2025. DOI: 10.11117/rdp.v22i113.8245.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

search previous next tag category expand menu location phone mail time cart zoom edit close