Revisão sistemática revela que, apesar de orientar a ação governamental desde 1988, o PPA é tratado mais como peça burocrática do que como objeto de análise crítica
O Plano Plurianual (PPA) é, desde a Constituição de 1988, a principal engrenagem do planejamento governamental no Brasil. É nele que se organizam as metas e prioridades do Estado em ciclos de quatro anos, integrando programas a orçamentos. Mas um estudo recém-publicado na revista Contribuciones a Las Ciencias Sociales mostra um paradoxo: apesar de sua centralidade normativa, o PPA permanece marginal na produção acadêmica brasileira.
Contexto: entre norma e prática
O artigo, assinado por Rafael Barbosa de Aguiar (UFRGS), Luciana Leite Lima (UNICAMP) e Maria Nazaré Francisco Santos (UFRGS), revisou 24 trabalhos publicados entre 2009 e 2023 na base Web of Science. O resultado é revelador: poucos estudos, geralmente qualitativos, descritivos e pouco articulados a quadros teóricos robustos, concentrados em áreas como saúde e meio ambiente.
Mesmo assim, o PPA segue sendo tratado como peça-chave do ciclo orçamentário — a ponte entre prioridades políticas e execução financeira. O problema é que, na prática, muitas vezes ele não passa de um ritual burocrático, distante da execução real das políticas.
Contradições e lacunas
A revisão mostra que quase 90% dos artigos analisados usaram o PPA apenas como fonte documental, e não como objeto de análise em si. Em outras palavras: em vez de entender o PPA como produto de disputas políticas e federativas, a literatura o trata como um “papel” onde se coletam dados para outras análises.
Há ainda grandes vazios temáticos: enquanto saúde (20% dos estudos) e meio ambiente (12%) concentram atenção, áreas como infraestrutura, segurança e ciência e tecnologia praticamente não aparecem. Isso reforça a distância entre o que o PPA normativamente representa (um mapa completo do Estado) e o que a academia enxerga (um mosaico de fragmentos).
Metodologicamente, o cenário também é frágil: 33% dos estudos não explicitaram sequer a metodologia usada, e 92% não definiram o conceito de “planejamento governamental”. Resultado: um campo marcado por análises esparsas, dependentes de contextos locais e sem acúmulo conceitual.
Comentário crítico: PPA como ficção democrática?
O achado mais provocador é que o PPA é central para governar, mas periférico para pensar. Na prática, ele organiza bilhões de reais em investimentos, mas continua orbitando fora do radar da ciência política e da gestão pública.
Isso revela não só uma lacuna acadêmica, mas também um risco democrático: quando o PPA não é tratado como espaço de disputa e construção coletiva, ele se transforma em mera ficção administrativa. Um documento bonito no papel, mas incapaz de ser fiscalizado pela sociedade ou analisado com profundidade pela universidade.
Provocação final: O Brasil aprendeu a produzir PPAs, mas não a debatê-los. Sem crítica acadêmica e sem apropriação social, o planejamento corre o risco de ser apenas mais um ritual tecnocrático — central na norma, invisível no debate.
📌 Referência:
AGUIAR, Rafael Barbosa de; LIMA, Luciana Leite; SANTOS, Maria Nazaré Francisco. Entre a centralidade normativa e a marginalidade acadêmica: o plano plurianual no Brasil (2009–2023). Contribuciones a Las Ciencias Sociales, v. 18, n. 7, p. 01-23, 2025. DOI: 10.55905/revconv.18n.7-243.
