Belém/Rio de Janeiro – Um ensaio assinado por Flávia Cristina Silveira Lemos (UFPA) e Paulo Guilherme Domenech Oneto (UFRJ) recoloca o brincar no centro do debate público: não como passatempo infantil, mas como tecnologia social de produção de saúde, subjetividade e cuidado. A tese é simples e incômoda: quando reduzido a entretenimento, o brincar serve ao mercado; quando tomado como dispositivo, ele desarma o utilitarismo e abre espaço para resistência, criação e vínculo comunitário.
O texto dialoga com Deleuze & Guattari, Foucault, Ariès, Kishimoto e Dornelles para mostrar que a lógica empresarial capturou a infância — brinquedos padronizados, “lazer dirigido” e gamificação do desempenho — enquanto esvazia experiências coletivas, território e cultura. A aposta dos autores é outra: o “devir-criança” como prática pedagógica e clínica, um modo de desver o mundo (à la Manoel de Barros), reencantar rotinas e repor a saúde como criação de mundos, não como adestramento.
O que há de novo
- Virada de chave conceitual: brincar deixa de ser “meio didático” e passa a ser dispositivo micropolítico de cuidado e educação em saúde, atravessando idades e contextos.
- Crítica à captura mercantil: o ensaio desmonta a transformação do lúdico em produto e performance, defendendo experiências situadas (quintal, roda, festa, ritual, artesanato, cooperativas) como ecologias de saúde.
- Ferramental para políticas públicas: ao recolocar o brincar como linguagem minoritária e valor público, o texto oferece lastro para currículos, práticas intersetoriais e equipamentos (escola, UBS, CRAS, hospitais) que desejem sair do piloto automático do “lazer instrumental”.
- Saúde digital com pés na terra: sem tecnofobia, os autores distinguem uso crítico de telas do encapsulamento relacional, propondo mediações que devolvam corpo, tempo e comunidade ao ato de brincar.
Por que importa agora
Em tempos de ansiedade infanto-juvenil, hiperexposição a telas e escolarização do tempo livre, a proposta desmonta o automatismo “tempo é dinheiro” dentro da escola e do SUS. Brincar vira política: cuida, integra, desacelera, devolve autonomia e tensiona a gramática do controle. É pauta quente para gestores de educação e saúde, formação docente e desenho de espaços públicos.
Referência
LEMOS, Flávia Cristina Silveira; ONETO, Paulo Guilherme Domenech. O brincar como dispositivo da educação em saúde: devir menor. Revista SUSTINERE, s.l.: s.n., s.d. Ensaio. Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional.
