Brasília – O artigo do pesquisador Vicente Loeblein Heinen expõe um movimento silencioso que redefine a política fiscal brasileira: a financeirização do Estado transformou a União em indutora de austeridade, enquanto joga para estados e, sobretudo, municípios a responsabilidade de sustentar a provisão de serviços públicos.
Com base em séries históricas do SIAFI e do SICONFI (2002–2024), o estudo demonstra que a União recuou progressivamente de seu papel de garantidora da provisão social, ao mesmo tempo em que ampliou os mecanismos de transferência de encargos sem recursos correspondentes. O resultado é um pacto federativo esvaziado: municípios de baixa capacidade orçamentária tornaram-se a “ponta da mesa” onde a conta chega primeiro e mais cara.
A inovação do trabalho está em mostrar como esse processo não atinge apenas cofres públicos, mas também o bolso das famílias brasileiras. A retração federal na saúde, educação e assistência social obriga a população a buscar alternativas privadas, sujeitas à lógica do capital portador de juros. A consequência é dupla: o fundo público alimenta a multiplicação do capital fictício via dívida, e o orçamento doméstico se converte em mercadoria para financiar serviços antes universais.
Segundo Heinen, o Estado brasileiro não é vítima desse processo, mas agente ativo da financeirização, ao estruturar políticas que asseguram a rentabilidade do mercado financeiro às custas da proteção social. A promessa de eficiência fiscal, alerta o pesquisador, converte-se na prática em desproteção social e dependência privada, um ciclo que reforça desigualdades e ameaça a própria ideia de equidade inscrita na Constituição de 1988.
Referência
HEINEN, Vicente Loeblein. Quem senta na ponta paga a conta: a captura do orçamento federativo e a mercantilização da provisão pública no Brasil. 2025. Artigo.
