A Receita Federal deflagrou nesta quinta-feira (27) a Operação Poço de Lobato para desmantelar um dos maiores esquemas de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro já identificados no setor de combustíveis. A ação cumpre 126 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal e Bahia, envolvendo servidores da Receita Federal do Brasil (RFB), Ministério Público de São Paulo (MP/SP), Secretaria da Fazenda e Planejamento de São Paulo (Sefaz/SP), Secretaria Municipal da Fazenda (SMF), Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Procuradoria-Geral do Estado (PGE/SP) e forças policiais civis e militares.
O grupo investigado mantém vínculos com pessoas e empresas ligadas à Operação Carbono Oculto, deflagrada em agosto de 2025, e figura como o maior devedor contumaz do país, acumulando mais de R$ 26 bilhões em débitos tributários. Em articulação com o Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos do Estado de São Paulo (Cira/SP), a PGFN obteve decisões judiciais que bloquearam mais de R$ 10,2 bilhões em bens dos envolvidos, incluindo imóveis e veículos.
Segundo a Receita, o esquema movimentou mais de R$ 70 bilhões em um único ano, utilizando empresas próprias, fundos de investimento e offshores para ocultar lucros e blindar patrimônio. O núcleo financeiro da organização chegou a operar 47 contas bancárias vinculadas contabilmente às empresas do grupo e movimentou R$ 72 bilhões entre o segundo semestre de 2024 e o primeiro semestre de 2025.
As investigações apontam que o grupo atuava em toda a cadeia de combustíveis, da importação à venda ao consumidor final. Importadoras funcionavam como interpostas pessoas, adquirindo nafta, hidrocarbonetos e diesel com recursos de formuladoras e distribuidoras vinculadas ao conglomerado. Entre 2020 e 2025, foram importados mais de R$ 32 bilhões em combustíveis, parte deles já investigados na Operação Cadeia de Carbono, que reteve quatro navios com 180 milhões de litros de combustível. Após a operação, a ANP interditou uma refinaria usada pelo grupo por suspeitas de falsa declaração de produtos, ausência de evidências do processo de refino e indícios de aditivos químicos proibidos, o que sugeria adulteração do combustível destinado ao consumidor.
Formuladoras, distribuidoras e postos também sonegavam tributos de forma reiterada, ampliando o impacto das fraudes sobre a arrecadação e a concorrência no setor. Para dificultar o rastreamento dos valores, o grupo reinvestia recursos ilícitos em propriedades e participações societárias por meio de 17 fundos de investimento já identificados, que somam R$ 8 bilhões em patrimônio. Muitos desses fundos operavam no modelo de “fundo fechado” com apenas um cotista, geralmente outro fundo da própria organização, criando camadas sucessivas de ocultação.
A Receita Federal identificou ainda a participação de offshores registradas em Delaware, nos Estados Unidos, usadas como cotistas e sócias desses fundos e também como veículos para transações no Brasil. Uma exportadora adquirida em Houston, no Texas, movimentou mais de R$ 12,5 bilhões em combustíveis destinados ao mercado brasileiro. Ao menos 15 offshores foram rastreadas, envolvendo cerca de R$ 1 bilhão em aquisições de imóveis e participações. Também foram detectados mais de R$ 1,2 bilhão enviados ao exterior por meio de contratos de mútuo conversíveis em ações, mecanismo que permite o retorno dos valores como investimento estrangeiro — estratégia típica de lavagem de dinheiro.
Após a desarticulação de empresas envolvidas na Carbono Oculto, o grupo reorganizou toda sua operação financeira. Operadores que antes movimentavam cerca de R$ 500 milhões passaram a gerir mais de R$ 72 bilhões a partir de 2024, evidenciando a rápida adaptação da estrutura criminosa.
O nome da operação remete ao Poço de Lobato, primeiro poço de petróleo perfurado no Brasil, em Salvador (BA), em 1939, marco inicial da exploração petrolífera nacional. A escolha reforça o elo direto com o setor de combustíveis, área de atuação do grupo investigado — hoje um dos maiores sonegadores do país.
