A escalada da dívida pública brasileira, que ultrapassou a marca de R$ 8 trilhões em 2025 e já supera 75% do PIB, reacende uma preocupação recorrente: a incapacidade histórica do país de equilibrar suas contas de forma estável e duradoura. Esse cenário, longe de ser apenas conjuntural, impulsionou uma série de mudanças constitucionais e legais que tentam impor limites mais rígidos ao endividamento. No centro dessa discussão, o jurista Tibério Celso Gomes dos Santos, doutor em Direito Constitucional, analisa, em artigo publicado na Revista Interagir, se o novo modelo de “sustentabilidade intertemporal” instituído pela Lei Complementar nº 200/2023 representa de fato um avanço — ou se corre o risco de se transformar em mais um pacto intergeracional não cumprido.
O texto recupera a trajetória de agravamento das contas públicas desde os anos 1970, quando a dívida externa saltou de US$ 6 bilhões para quase US$ 100 bilhões ao final da ditadura militar. A partir de 2015, o país passou novamente a registrar déficits primários sucessivos, com retração econômica, queda de arrecadação e crescimento descontrolado das despesas, formando uma “tempestade perfeita” que empurrou a dívida para um ciclo contínuo de expansão. A simetria entre déficit primário e aumento do estoque da dívida, como observa Piscitelli (2025), revela que o problema deixou de ser episódico e tornou-se estrutural.
Nesse contexto, a Constituição passou a acumular dispositivos para tentar conter o avanço: o Teto de Gastos (EC 95/2016), a atualização das regras fiscais (EC 109/2021), a revisão de encargos e precatórios (EC 136/2025) e, mais recentemente, o Novo Arcabouço Fiscal. Segundo Tibério Santos, todas essas intervenções constitucionais têm uma origem comum — as reiteradas frustrações do resultado primário — e procuram criar mecanismos que impeçam que escolhas fiscais de hoje inviabilizem o funcionamento do Estado no futuro.
É nesse ambiente que surge a ideia de sustentabilidade intertemporal da dívida pública, prevista na Lei Complementar nº 200/2023. Inspirada em uma leitura intergeracional semelhante à proteção ambiental do art. 225 da Constituição, a norma pretende garantir que as decisões fiscais do presente não comprometam as gerações futuras. Em tese, o Estado passa a ter a obrigação de preservar um horizonte de longo prazo, evitando que a dívida se torne insustentável e comprometa políticas sociais, investimentos públicos e a própria estabilidade econômica.
O problema, aponta Santos, é que o desenho desse conceito ficou incompleto. Embora invoque uma responsabilidade intergeracional, a lei estabelece mecanismos de controle apenas anuais, sem parâmetros de análise que acompanhem a dívida ao longo de ciclos mais longos — como períodos de oito a dez anos, equivalentes a dois mandatos e dois planos plurianuais. A ausência de metas e indicadores plurianuais transforma o instituto em um “conceito jurídico indeterminado”, difícil de fiscalizar, de avaliar e, principalmente, de exigir.
O artigo conclui que, embora a criação da sustentabilidade intertemporal seja um avanço normativo, sua efetividade permanece limitada. Sem métricas robustas que acompanhem a trajetória da dívida ao longo do tempo, a responsabilidade geracional pode se reduzir a uma promessa constitucional vazia, incapaz de enfrentar o desafio fiscal que se aproxima. Em um país marcado por recorrentes descumprimentos de regras fiscais, a pergunta que dá título ao estudo permanece dolorosamente pertinente: estaremos novamente diante de um pacto intergeracional destinado ao fracasso?
Referência
SANTOS, Tibério Celso Gomes dos. O dever de sustentabilidade intertemporal das contas públicas: será mais um pacto intergeracional a ser descumprido? Revista Interagir, Fortaleza, v. 22, n. 129, p. 68-71, 2025. 6102-Texto do Artigo-25884-2510…
