Em um ambiente político marcado por discursos de Estado mínimo, cortes estruturais e instabilidade institucional, um programa de modernização e fortalecimento administrativo conseguiu avançar, se consolidar e gerar capacidade estatal em escala inédita. É o que revela a dissertação Burocracia e empreendedores públicos: o caso do Programa de Gestão Estratégica e Transformação do Estado – TransformaGov, de Patrícia Parra Ferreira, apresentada ao Mestrado Profissional em Governança e Desenvolvimento da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). O estudo reconstrói a trajetória do TransformaGov desde sua criação, em 2020, até seu ápice em 2024, mostrando como a combinação entre burocracia qualificada, janelas de oportunidade e empreendedores públicos foi determinante para o sucesso do programa.
O TransformaGov surgiu no primeiro ano do governo Bolsonaro, em meio a uma agenda declaradamente liberal, avessa ao fortalecimento de estruturas estatais e marcada pela descontinuidade de políticas públicas. Ainda assim, um grupo de gestores da carreira de Especialista em Políticas Públicas (EPPGG) conseguiu formular e implementar um dos maiores programas de reorganização administrativa desde a redemocratização. A partir da Teoria dos Múltiplos Fluxos de John Kingdon, a autora mostra como problemas estruturais — baixa eficiência, desarticulação entre órgãos, desperdícios e fragilidade organizacional — se combinaram com soluções técnicas já existentes e um ambiente político permissivo para viabilizar a agenda.
A dissertação destaca que o programa só avançou porque encontrou empreendedores públicos capazes de acoplar fluxos decisórios e mobilizar recursos institucionais. Esses atores, muitos deles gestores experientes na SEGES/ME, operaram como uma burocracia inovadora, recombinando soluções prévias e criando novas práticas de gestão estratégica, simplificação administrativa e reorganização institucional. A pandemia de Covid-19, embora adversa, funcionou como catalisadora: a virtualização acelerou o alcance do programa, ampliando o número de órgãos participantes e facilitando pactuações em todo o território nacional.
Entre os resultados apresentados, está o salto no índice de governança pública (iGovPub) avaliado pelo TCU, que registrou queda expressiva no número de órgãos com gestão estratégica inexistente ou incipiente entre 2018 e 2021. O estudo evidencia que o TransformaGov não só racionalizou estruturas, digitalizou processos e integrou sistemas, como também produziu um legado duradouro: aumento na capacidade estatal de planejamento, governança e coordenação interinstitucional.
Ao final, a pesquisa aponta que o TransformaGov se tornou um caso emblemático do poder transformador da burocracia profissional em contextos adversos. Mesmo em governos que resistem ao fortalecimento institucional, quadros técnicos especializados — quando articulados, experientes e estrategicamente posicionados — podem gerar reformas sistêmicas com impacto duradouro. Para Patrícia Ferreira, essa experiência oferece lições fundamentais para futuras agendas de Estado: nenhuma transformação consistente ocorre sem burocracia competente, estabilidade organizacional e empreendedores públicos capazes de enxergar a janela política no momento exato.
Referência (ABNT)
FERREIRA, Patrícia Parra. Burocracia e empreendedores públicos: o caso do Programa de Gestão Estratégica e Transformação do Estado – TransformaGov. 2025. 235 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Governança e Desenvolvimento) – Escola Nacional de Administração Pública, Brasília, 2025. Mestrado_Patricia Parra 1 (1)
