Ouvir dor, sofrimento, traumas e angústias todos os dias tem um preço. Um estudo desenvolvido na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) mostra que psicólogos clínicos estão entre os profissionais mais expostos ao desgaste emocional e ao adoecimento mental justamente por utilizarem a própria mente como instrumento de trabalho.
O Trabalho de Conclusão de Curso “Como cuidar do cuidador? O trabalho e a saúde mental do psicólogo clínico”, de Nicole Santos Mesquita, analisa os impactos psicológicos da prática clínica e alerta para a necessidade urgente de cuidar da saúde mental de quem cuida dos outros.
A pesquisa parte de uma constatação simples, mas pouco discutida fora do meio acadêmico: o psicólogo não trabalha apenas com técnicas, mas com a própria escuta, sensibilidade e emoção. Isso significa que, ao longo do tempo, o contato constante com o sofrimento alheio pode gerar estresse, exaustão emocional, ansiedade e até quadros de burnout.
Segundo o estudo, muitos profissionais acumulam jornadas extensas, atendem diversos pacientes por dia e ainda precisam estudar, supervisionar casos e se atualizar constantemente. Além disso, grande parte dos psicólogos precisa conciliar a clínica com outros trabalhos para garantir renda suficiente, o que intensifica o cansaço mental.
A autora também chama atenção para um problema cultural dentro da área da saúde: quem cuida raramente se autoriza a pedir cuidado. Psicólogos, assim como outros profissionais da saúde, costumam negligenciar o próprio sofrimento, priorizando sempre o outro. Esse comportamento aumenta o risco de adoecimento silencioso.
O trabalho dialoga com a psicologia analítica de Carl Gustav Jung e apresenta o conceito do “curador ferido”: a ideia de que o profissional que cuida também carrega suas próprias dores. Longe de ser um problema, reconhecer essas feridas é fundamental para uma prática mais ética, humana e saudável. Ignorá-las, ao contrário, pode levar à exaustão emocional e até a relações desequilibradas com os pacientes.
A pesquisa utilizou um questionário aplicado a psicólogos clínicos e identificou fatores recorrentes de desgaste, como a sobrecarga de trabalho, a dificuldade de separar vida pessoal e profissional, a pressão por resultados e o sentimento de culpa quando o paciente não apresenta melhora rápida.
Como estratégias de proteção à saúde mental, o estudo destaca a importância da psicoterapia pessoal, da supervisão clínica, do apoio entre colegas e do estabelecimento de limites claros na prática profissional. O autocuidado, segundo a autora, não é um luxo, mas uma condição básica para que o psicólogo consiga exercer seu trabalho com qualidade e responsabilidade.
Nas conclusões, o trabalho defende que cuidar da saúde mental dos psicólogos é também uma forma de cuidar da saúde mental da sociedade. Profissionais esgotados tendem a sofrer mais e a ter dificuldades em oferecer um cuidado efetivo. Reconhecer essa realidade é um passo fundamental para romper o silêncio em torno do sofrimento de quem dedica a vida a escutar o outro.
Referência
MESQUITA, Nicole Santos. Como cuidar do cuidador? O trabalho e a saúde mental do psicólogo clínico. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2025.
