A educação não acontece apenas dentro da escola, entre quatro paredes e livros didáticos. Ela começa no território onde o estudante vive, nas histórias da comunidade, na relação com a terra, na cultura local e nas experiências do dia a dia. Essa é a ideia central do artigo “O território enquanto agente educador contracolonial”, da pesquisadora Pietra da Costa Canle, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
O estudo defende que ensinar sem considerar a realidade dos alunos é uma forma de exclusão. Quando a escola ignora o lugar onde o estudante mora, sua cultura, sua história e seus saberes, ela reforça desigualdades e afasta muitos jovens do processo de aprendizagem.
A autora parte das ideias do geógrafo Milton Santos para explicar que o território não é só um espaço físico, mas um conjunto de relações sociais, culturais e afetivas construídas pelas pessoas. Em outras palavras: o bairro, a comunidade, o quilombo, a aldeia, o campo e a periferia também ensinam — e muito.
Segundo o trabalho, alunos chegam à escola carregando conhecimentos próprios, aprendidos com a família, com os mais velhos, com a vivência na terra e na comunidade. Quando a escola desconsidera esses saberes e valoriza apenas o conhecimento acadêmico tradicional, acaba reproduzindo uma educação elitista, racista e distante da realidade da maioria da população brasileira.
O estudo chama atenção para o fato de que estudantes negros e indígenas ainda enfrentam mais dificuldades para entrar e permanecer nos espaços formais de ensino. Isso acontece, segundo a autora, porque a escola muitas vezes não reconhece suas culturas, línguas, histórias e formas próprias de produzir conhecimento.
A pesquisa defende uma educação chamada de transgressora, inspirada na educadora bell hooks. Isso significa uma educação que rompe com padrões excludentes, valoriza o diálogo, reconhece o aluno como sujeito ativo e respeita o contexto em que ele vive. Ensinar, nesse sentido, não é apagar saberes, mas somá-los.
Outro ponto central do trabalho é a valorização dos saberes tradicionais africanos e indígenas. Esses conhecimentos, transmitidos de geração em geração, estão ligados à terra, à natureza, à coletividade e à ancestralidade. Para a autora, reconhecer esses saberes na escola é também enfrentar o racismo estrutural e fortalecer identidades historicamente marginalizadas.
Ao final, o artigo defende que comunidade e território precisam ser vistos como aliados da educação. Uma escola conectada com o lugar onde está inserida tem mais chances de formar estudantes críticos, conscientes e capazes de fazer escolhas baseadas em sua própria realidade. Valorizar o território, conclui a autora, é valorizar pessoas, histórias e modos de viver que sempre foram educadores, mesmo quando a escola insistiu em não enxergá-los.
Referência
CANLE, Pietra da Costa. O território enquanto agente educador contracolonial. 2024/2025.
