Educação intercultural bilíngue de qualidade vai além de ensinar duas línguas, aponta estudo do BID

Ensinar uma criança indígena apenas a falar português não é educação intercultural bilíngue. Segundo uma nota técnica do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), uma educação de qualidade para povos indígenas e comunidades tradicionais precisa respeitar a língua, a cultura, a história e o modo de viver dessas populações — dentro e fora da sala de aula.

O estudo “O que é uma educação intercultural bilíngue de qualidade? Um marco teórico das dimensões-chave para implementar a EIB na América Latina” apresenta critérios claros para que a educação intercultural bilíngue (EIB) funcione de verdade e não fique só no papel.

O documento reconhece que a América Latina avançou no acesso de crianças indígenas à escola, mas alerta: ainda existem grandes desigualdades na aprendizagem, na permanência escolar e nos resultados educacionais. Em muitos casos, o estudante até entra na escola, mas não se sente pertencente a ela — e acaba ficando para trás ou desistindo.

Segundo o BID, a EIB não é apenas dar aula em duas línguas. É ensinar usando a língua materna da criança junto com a língua oficial do país, conectando o conteúdo escolar com a cultura, o território e o cotidiano da comunidade. Quando isso não acontece, a escola acaba reproduzindo exclusão e apagamento cultural.

O estudo aponta três níveis fundamentais para que a EIB tenha qualidade: o que acontece dentro da sala de aula, a forma como a escola se organiza e os recursos necessários para sustentar esse modelo. Na sala de aula, por exemplo, é essencial que as duas línguas sejam usadas de forma equilibrada, que os conteúdos façam sentido para a realidade local e que o ensino estimule o pensamento crítico, e não apenas a repetição.

Outro ponto central é o clima escolar. A nota técnica destaca que escolas interculturais precisam combater o racismo, a discriminação e toda forma de exclusão. O estudante deve se sentir respeitado, valorizado e reconhecido em sua identidade. Sem isso, não há aprendizagem de qualidade.

O documento também chama atenção para a participação das famílias e da comunidade. A educação intercultural bilíngue não pode ser imposta de cima para baixo. Ela precisa ser construída junto com pais, lideranças, anciãos e professores da própria comunidade, valorizando saberes transmitidos de geração em geração.

Um dos principais desafios identificados pelo BID é a formação de professores. Em muitos países, faltam docentes preparados para atuar em contextos interculturais e bilíngues, além de materiais didáticos adequados às línguas e culturas locais. Sem investimento nessas áreas, a EIB corre o risco de virar apenas um discurso bonito.

A nota técnica também diferencia dois modelos de ensino bilíngue. No modelo ruim, a língua indígena é usada só no começo, até a criança “se adaptar” ao idioma oficial. No modelo defendido pelo estudo, chamado de bilinguismo aditivo, a criança aprende a nova língua sem perder a sua, fortalecendo identidade, autoestima e aprendizagem.

Ao final, o BID defende que a educação intercultural bilíngue de qualidade não beneficia apenas povos indígenas e afrodescendentes. Ela fortalece a diversidade cultural, combate desigualdades históricas e contribui para uma sociedade mais justa, plural e democrática.

Referência

SANTOS, Humberto; MAROTTA, Luana; NÄSLUND-HADLEY, Emma; MANSILLA, Sergio. O que é uma educação intercultural bilíngue de qualidade? Um marco teórico das dimensões-chave para implementar a EIB na América Latina. Nota Técnica IDB-TN-03225. Banco Interamericano de Desenvolvimento, outubro de 2025.

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