Gramáticas Prescritiva, Descritiva e Internalizada: Compreendendo os Diferentes Enfoques na Língua Portuguesa

Desde a publicação da primeira gramática da língua portuguesa em 1536 por Fernão de Oliveira, em Lisboa, a relação entre língua e gramática tem sido objeto de reflexão e debate constante. No entanto, ao longo dos séculos, essa relação evoluiu e diversificou-se, levando ao desenvolvimento de diferentes concepções de gramática que refletem distintas abordagens sobre a língua portuguesa.

A gramática pioneira de Fernão de Oliveira tinha um caráter normativo, buscando estabelecer padrões para o português do século XVI. Ela também tinha uma dimensão linguística e cultural, refletindo o modo de falar dos portugueses da época. Essa gramática desempenhou um papel importante na afirmação da identidade nacional portuguesa.

Hoje, o conceito de gramática é amplo e sujeito a várias interpretações, dependendo da perspectiva teórica adotada. Uma das definições mais simples de gramática refere-se a um livro que apresenta os elementos constitutivos de uma língua. No entanto, essa definição não abrange completamente a complexidade do assunto, pois a língua é um objeto de estudo vasto e multifacetado.

As diferentes concepções de língua e gramática levam a abordagens distintas na análise linguística. Três dessas abordagens são amplamente reconhecidas: a gramática prescritiva (ou normativa), a gramática descritiva e a gramática internalizada.

Gramática Prescritiva (ou Normativa)

Esta abordagem da gramática enfoca a definição de regras e padrões para o uso correto da língua. Ela se preocupa em estabelecer normas gramaticais e prescrever como a língua “deve ser” usada. A gramática prescritiva frequentemente é ensinada nas escolas como um guia para uma comunicação formal e escrita, enfatizando regras de concordância, regência, pontuação, entre outras. Um exemplo prático seria a recomendação de evitar o uso de dupla negação na língua escrita, seguindo as normas estabelecidas.

Entendendo a Gramática Prescritiva (Normativa) na Língua Portuguesa

A gramática prescritiva, também conhecida como gramática normativa, é um termo que muitos de nós associamos à nossa educação escolar. É a abordagem da língua que muitos de nós aprendemos como um conjunto de regras rígidas sobre como falar e escrever “corretamente” em português. No entanto, essa perspectiva da gramática traz consigo uma série de nuances e questões que merecem uma análise mais profunda.

A Visão da Gramática Prescritiva

A gramática prescritiva parte da premissa de que existe um modelo único e correto da língua que todos os falantes devem seguir. Esse modelo é muitas vezes chamado de “norma-padrão” e é baseado no uso da língua consagrado pelos bons escritores e especialistas em linguagem. Em outras palavras, a gramática prescritiva busca estabelecer um padrão de excelência na língua portuguesa e incentivar os falantes a segui-lo.

Os Desafios da Abordagem Prescritiva na Educação

Embora a gramática prescritiva tenha seu lugar no ensino da língua, ela também levanta algumas preocupações. O maior desafio é que, ao considerar a norma-padrão como o único ponto de vista gramatical válido, ela pode levar os alunos a acreditar que tudo o que não está de acordo com essa norma está errado. Isso cria uma pressão para que os alunos alcancem um padrão linguístico que pode não ser acessível ou adequado a todos.

Variações Linguísticas

Um dos aspectos mais fascinantes da língua é sua riqueza em variações. Elas podem ser influenciadas por fatores sociais, econômicos, geográficos e culturais. A abordagem prescritiva tende a negligenciar essas variações e se concentra exclusivamente na norma-padrão. Isso pode levar à exclusão de diversas formas legítimas de uso da língua, bem como desencorajar a criatividade linguística.

Criatividade Linguística e Complexidade

Um exemplo revelador do problema com a ênfase excessiva na norma-padrão é a comparação entre dois textos. O primeiro, embora contenha desvios gramaticais, demonstra uma maior criatividade e complexidade linguística. O segundo, seguindo rigorosamente a norma-padrão, pode ser mais contido e simples. Isso levanta a questão de se a busca incessante pela correção gramatical pode sufocar a expressão criativa na linguagem.

Valor da Gramática Prescritiva

A gramática prescritiva não deve ser descartada, pois tem seu valor no ensino da língua e na comunicação formal. No entanto, é importante reconhecer que ela não é a única perspectiva válida da língua. Compreender as variações linguísticas e permitir uma reflexão linguística mais profunda são elementos essenciais para uma educação linguística abrangente e enriquecedora.

A gramática prescritiva é apenas uma das maneiras de abordar a língua portuguesa. Para uma compreensão mais completa e rica da língua, é essencial explorar outras perspectivas, como a gramática descritiva e a gramática internalizada.

Gramática Descritiva

Ao contrário da gramática prescritiva, a abordagem descritiva busca compreender como a língua é usada na prática. Ela observa e descreve os padrões linguísticos reais, independentemente de serem considerados corretos ou incorretos. A gramática descritiva examina as diferentes variantes linguísticas, dialetos e mudanças na língua ao longo do tempo. Ela se concentra em documentar e analisar a língua como um fenômeno vivo e em constante evolução.

Explorando a Gramática Descritiva: Compreendendo a Língua em Uso

A gramática descritiva, em contraste com a gramática prescritiva, tem como principal objetivo observar e descrever como a língua é utilizada pelos falantes, em vez de impor regras rígidas sobre como a língua deve ser usada. Ela se baseia no princípio da observação dos fenômenos linguísticos, analisando a língua real em ação.

Regras que Descrevem a Língua

De acordo com Ferraz e Olivan (2011), a gramática descritiva consiste em um conjunto de regras que descrevem os fatos da língua. Ela examina como a língua se estrutura, quais fenômenos linguísticos ocorrem e o que é considerado aceitável ou não em termos de língua. Essas regras ajudam a identificar o que é gramatical (de acordo com a variedade linguística em questão) e o que é agramatical. Ou seja, o que é aceitável e o que não é.

Exemplo de Abordagem Descritiva

Para ilustrar esse conceito, considere o seguinte exemplo: a posição linear que os elementos de uma frase ocupam. A gramática descritiva observa que a língua permite certos posicionamentos e não outros. Essa análise leva em consideração a intuição do falante e as possibilidades e impossibilidades da língua de forma intuitiva. Em alguns casos, as intuições dos falantes são claras, enquanto em outros, é necessário recorrer a observações do comportamento sintático em diferentes frases para compreender as estruturas linguísticas.

Uma Pesquisa Constante

A gramática descritiva é um processo contínuo de pesquisa, argumentação e justificação. Ela pressupõe hipóteses e observações e é resultado de um trabalho reflexivo e investigativo. Em outras palavras, não é possível estudar gramática descritiva sem, ao mesmo tempo, estar envolvido na criação de novos insights sobre a língua.

Explorando os Aspectos Formais e Semânticos

Além de descrever os aspectos formais da língua, a gramática descritiva também se preocupa em explorar os significados que esses aspectos transmitem. Ela analisa tanto a estrutura quanto o significado das construções linguísticas, buscando compreender como a forma e o sentido se relacionam. Esse processo envolve a descrição separada dos aspectos formais e semânticos da língua, seguida por uma análise de como eles se entrelaçam e se complementam.

Uma Perspectiva Abrangente da Língua

A gramática descritiva oferece uma perspectiva abrangente da língua, enfocando a língua em uso e reconhecendo sua diversidade e riqueza. Ela valoriza a intuição dos falantes e incentiva a reflexão sobre como a língua realmente funciona na comunicação cotidiana.

Gramática Internalizada

Esta perspectiva considera a gramática como um conhecimento tácito que os falantes têm sobre a língua, permitindo-lhes usá-la de forma intuitiva e fluente. É o conjunto de regras e estruturas que estão internalizados na mente de um falante, mesmo que ele não possa explicitamente articulá-los. Por exemplo, um falante nativo de português sabe intuitivamente como formar o plural das palavras, mesmo que não possa explicar as regras gramaticais envolvidas.

Desvendando o Gerativismo e a Gramática Internalizada

A gramática internalizada é um conceito fundamental na teoria linguística do gerativismo, desenvolvida por Noam Chomsky. Essa teoria nos ajuda a entender como os seres humanos adquirem e utilizam a linguagem. Vamos explorar mais a fundo essa ideia intrigante e como ela se relaciona com a nossa capacidade de falar e escrever.

Gramática Internalizada: Uma Predisposição Genética

A gramática internalizada é a ideia de que todos os falantes de uma língua possuem uma predisposição genética para compreender e produzir sua língua materna. Essa predisposição não só nos permite aprender a língua, mas também desenvolver uma lógica interna para organizar a língua que falamos. Isso significa que, desde o nascimento, temos a capacidade inata de processar a linguagem de maneira complexa (Noble, 2020).

Linguagem como um Fenômeno Cognitivo

Na perspectiva do gerativismo, a linguagem é vista como um fenômeno cognitivo. Isso significa que a língua não é apenas um conjunto de palavras e regras, mas sim um produto da mente humana. A teoria da gramática internalizada se baseia na ideia de que a mente humana possui uma estrutura interna que nos permite entender e produzir frases e expressões de forma intuitiva, sem que tenhamos que pensar conscientemente em cada aspecto gramatical (Kenedy, 2013).

A Teoria Gerativista de Chomsky

O gerativismo, uma teoria linguística desenvolvida por Noam Chomsky na década de 1950, é a base da gramática internalizada. Essa teoria propõe que a mente humana possui regras inconscientes que geram estruturas linguísticas, como palavras, frases e discursos. Essas regras internas nos permitem criar uma infinidade de sentenças em nossa língua materna sem que tenhamos consciência disso. Em outras palavras, nossa capacidade de linguagem é internalizada e automática (Kenedy, 2013).

Competência vs. Desempenho

No contexto do gerativismo, Chomsky introduziu o conceito de competência e desempenho. A competência linguística é a capacidade inata de um falante para produzir todas as sentenças gramaticais de sua língua. O desempenho, por outro lado, envolve fatores externos, como nervosismo, contexto social e outros elementos que podem afetar a forma como usamos a língua. Por exemplo, você pode ter competência linguística em português, mas seu desempenho pode ser afetado quando fala em público devido ao nervosismo (Petter, 2015).

A Intuição do Falante

Uma característica essencial da gramática internalizada é a intuição do falante. Mesmo sem treinamento formal em linguística, os falantes têm a capacidade de identificar intuitivamente quando uma sentença está gramaticalmente correta ou não. Isso ocorre porque nossa mente internalizou as regras da língua. Por exemplo, quando você encontra uma sentença como “Problema este muito seu difícil é”, sua intuição imediatamente percebe que algo está errado. Você é capaz de reorganizar essa sentença para torná-la gramatical, mesmo que não esteja ciente das regras específicas que está aplicando.

A Importância na Educação

Entender a gramática internalizada tem implicações profundas para a educação linguística. Significa reconhecer que os alunos já possuem uma base sólida de conhecimento linguístico internalizado. Os professores podem aproveitar essa competência inata para promover uma compreensão mais profunda da língua, utilizando exemplos do cotidiano dos alunos. Isso cria uma verdadeira reflexão sobre a linguagem, promovendo uma aprendizagem mais eficaz e significativa.

A gramática internalizada, em conjunto com o gerativismo, oferece uma perspectiva fascinante sobre como a linguagem é uma parte intrínseca de nossa cognição e como a mente humana é naturalmente predisposta a dominar a complexidade da linguagem.

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