Por Antonio Flávio Archangelo Junior
Treze anos se passaram. O Brasil segue trocando de máscaras, mas o rosto é o mesmo. Neste 22 de abril, dia em que celebram um “descobrimento” que foi, na verdade, o primeiro grande golpe aplicado nessas terras, volto ao mesmo diagnóstico: nossa corrupção endêmica não é falha de caráter. É herança meticulosamente cultivada desde o primeiro navio que aqui atracou carregado de ganância e crueldade.
Os verdadeiros “trouxas” dessa história já estavam aqui quando os saqueadores chegaram. Os povos originários, que não conheciam a propriedade privada, o suborno ou a fraude sistêmica, foram os primeiros a cair no conto do colonizador. Ofereceram paz e receberam traição; acreditaram em tratados e ganharam genocídio; trocaram o bem comum pela espada do lucro privado. Sua única “corrupção” foi acreditar que a palavra valia mais que o metal bruto. Pagaram por essa ingenuidade com sangue e terra roubada.
Nós, seus descendentes involuntários, aprendemos a lição ao contrário.
O colonizador nos ensinou que honra é fraqueza. Que lei é para ingênuos. Que o público é terra de ninguém. Quinhentos anos depois, internalizamos tão bem a lição que nem percebemos o grotesco: o mesmo Estado que enforcava escravizados por roubarem comida hoje celebra magnatas que desviam fortunas. O pobre que furta um real é marginal; o rico que saqueia milhões é visionário.
Mas há um detalhe revelador nessa distorção: os únicos que nunca se adaptaram ao jogo da corrupção institucionalizada foram justamente aqueles que o colonizador não conseguiu “civilizar” por completo. Enquanto o Brasil oficial celebra seus bandeirantes, são as comunidades indígenas que ainda hoje dão aulas de gestão coletiva, de respeito ao bem comum, de integridade na administração dos recursos. Ironia cruel: os chamados “primitivos” mantêm práticas de transparência que nossas instituições “modernas” nunca alcançarão.
O desafio que se impõe não é moral, mas existencial. Ou reconhecemos que a corrupção é nosso mais eficiente mecanismo de autocolonização – onde continuamos saqueando nosso próprio país como se ainda fôssemos os invasores de nós mesmos – ou seguiremos nesse looping histórico onde cada geração repete os mesmos erros com novo vocabulário.
Os povos originários nos mostram que outro caminho sempre foi possível. Resta saber se temos a coragem de desaprender quinhentos anos de pilhagem para, finalmente, merecermos chamar esta terra de pátria. Até lá, seguiremos sendo o povo que trocou a aldeia pelo shopping center – e ainda se acha esperto por isso.
