Educação de Improviso: entre doações sem licitação, nutricionistas silenciadas e escolas sem sabão

Como a resposta oficial da Secretaria Municipal da Educação de Rio Claro revela um colapso orquestrado por omissão técnica, terceirizações frágeis e uma cadeia de decisões que desrespeitam a Lei nº 11.947/2009, a Lei nº 14.133/2021 e princípios básicos da gestão pública.


No dia 16 de abril de 2025, a Secretaria Municipal da Educação de Rio Claro encaminhou ofício-resposta à Ouvidoria Municipal, em atenção ao Ofício 05/2025 do COMERC. O documento foi disponibilizado no site do conselho na tarde desta segunda-feira, 26. No documento, a própria secretária de Educação admite que:

  • A merenda escolar foi temporariamente abastecida por doações de alimentos feitas por empresa privada, sem processo licitatório, com “itens aprovados com ressalvas”;
  • Houve atraso de quase um ano na compra de produtos de limpeza, gerando risco sanitário no início do ano letivo mesmo após decreto municipal de emergência;
  • A falta de pessoal nas escolas, principalmente para funções essenciais (cozinha, higiene, apoio pedagógico) segue sem solução definitiva, com forte dependência de contratos instáveis e terceirizações precárias.

🍽️ Alimentação Escolar por Doação, Fora da Lei

De acordo com o documento, o Departamento de Alimentação Escolar (DAE) enfrentou, no início de 2025, uma situação de urgência por desabastecimento. A alternativa encontrada foi autorizar a distribuição de alimentos oriundos de doações da empresa sem respaldo licitatório, com base em ata de registro de preços ainda em andamento.

Segundo a própria SME, os alimentos foram autorizados “aprovados com ressalvas”, após análise da Vigilância Sanitária e da equipe de nutricionistas. No entanto, a Nutricionista Responsável Técnica inicialmente recusou-se a autorizar a distribuição — o que motivou abertura de processo administrativo disciplinar contra ela. A liberação só ocorreu após ordem expressa da Secretaria. Na época,  após o vereador Moisés Marques (PL) constatar a inexistência de nota fiscal da carga transportada, do certificado de qualidade dos produtos enviados e o desconhecimento da origem, manifestado em declarações confusas e contraditórias dos responsáveis pelos setores da administração pública envolvidos na aquisição, armazenamento e distribuição dos gêneros alimentícios para a merenda o caso foi parar na delegacia. Lembrando que em fevereiro do ano passado a má qualidade de itens da merenda ganhou as redes sociais, na época o prefeito Gustavo Perissinoto disse que a informação era falsa.

Esse episódio colide frontalmente com os dispositivos da Lei nº 11.947/2009, que regula a alimentação escolar no Brasil e exige:

  • Cardápios elaborados exclusivamente por nutricionistas;
  • Uso de alimentos com origem segura e dentro de padrões técnicos;
  • Vedação à distribuição de itens fora das exigências mínimas de qualidade.

🧼 Escolas sem Produtos de Limpeza por Inércia Burocrática

Apesar de o pedido de compra de materiais de higiene ter sido iniciado em abril de 2024, o processo não avançou durante doze meses por falta de integração entre as Secretarias de Finanças, Administração e Compras.

Em 7 de fevereiro de 2025, a própria Prefeitura decretou estado de emergência sanitária (Decreto nº 13.533). Ainda assim, apenas em abril foi possível lançar nova tentativa de compra direta, pois o processo original estava travado com um servidor da Secretaria de Compras.

Durante esse período, gestores escolares relataram escassez de cloro, água sanitária e sabão, o que comprometeu a limpeza básica das unidades escolares — incluindo creches e escolas com jornada integral.

👥 Déficit de Funcionários e Terceirização Instável

A Secretaria reconhece oficialmente a insuficiência de:

  • Agentes escolares (precisa de +20);
  • Agentes educacionais (precisa de + centenas para suprir educação especial);
  • Auxiliares de cozinha e operacionais, com quadro parcialmente suprido por empresas terceirizadas (MV, Terraplana, Asservo), cujas ausências nem sempre são cobertas.

Apesar do último concurso ter tido aprovados em número insuficiente, até abril de 2025 nenhuma nova convocação foi concluída. Diretores relatam que a empresa não consegue repor monitoras ausentes, e que muitas escolas operam sem profissionais de apoio ao estudante com deficiência.

⚖️ Violação à Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021)

O caso descrito no ofício também revela que o Pregão Eletrônico nº 75/2024, referente à compra de gêneros alimentícios estocáveis, ficou paralisado por meses. Com a aproximação do ano letivo, cogitou-se aderir à ata de outro município (RJ), conforme previsto no art. 86 da Lei nº 14.133/2021, mas a tentativa fracassou.

A opção por recorrer a doações, ao invés de acelerar os trâmites legais com medidas emergenciais amparadas na própria Lei de Licitações, evidencia improviso crônico e ausência de planejamento técnico-financeiro no órgão gestor.

📢 Cresce a pressão por responsabilização

Nas últimas semanas, a situação ganhou repercussão local. Profissionais da educação têm se mobilizado publicamente com atos nas escolas e manifestações nas redes sociais, denunciando as más condições de trabalho, a ausência de materiais básicos e a negligência administrativa.

Diante da gravidade, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) instaurou procedimento preparatório para apurar possíveis responsabilidades civis e administrativas. O órgão apura se houve omissão dolosa, improbidade ou violação às normas do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Paralelamente, conselheiros do COMERC, do CAE e do Conselho Tutelar exigem transparência imediata na distribuição dos recursos da educação e das atas de compras emergenciais, além de acesso aos processos que envolvem terceirizações e licitações.

O Portal Archa seguirá acompanhando os desdobramentos.


Leia o ofício ma íntegra:

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