Bertioga gasta R$ 1.115 por habitante em saúde; Peruíbe menos de R$ 500

Bertioga investe R$ 1.115,58 por habitante em saúde, enquanto Peruíbe menos de R$ 500. Essa diferença de mais de 140% entre municípios da mesma região metropolitana não é apenas um número antigo de planilha: é um retrato vivo de como a organização do SUS ainda falha em garantir acesso equitativo.

Um estudo realizado por Natália Cairo Lara e Áquilas Mendes focou na Região Metropolitana da Baixada Santista (composta por nove cidades do litoral paulista) e revelou disparidades gritantes na capacidade de financiamento municipal em saúde em 2012. Mesmo cumprindo a exigência constitucional de investir ao menos 15% da receita própria, cada município destinava valores muito diferentes por habitante.

Confira alguns dos dados de 2012 levantados no estudo:

  • Bertioga: R$ 1.115,58 per capita
  • Cubatão: R$ 900,90
  • Santos: R$ 518,09
  • Peruíbe: R$ 464,07

A pesquisa analisou o período de 2006 a 2012 e observou que, embora houvesse crescimento geral dos investimentos em saúde, não existia um esforço coordenado para reduzir essas desigualdades. Pelo contrário: as disparidades de arrecadação tributária e as transferências fragmentadas faziam com que cada prefeitura enfrentasse o problema isoladamente.

O resultado? A chamada “região de saúde” existia mais no papel do que na prática, sem articulação madura com o governo estadual e sem planejamento conjunto para organizar serviços de forma integrada.

“A região ainda não é coesa em relação aos gastos com ações e serviços de saúde”, concluem os autores.

Embora o estudo use dados de 2012, o problema que ele descreve permanece atual. Sem mecanismos sólidos de pactuação federativa, sem capacidade técnica compartilhada e sem incentivo à cooperação intermunicipal, os municípios continuam arcando com responsabilidades que sozinhos não conseguem financiar de forma equitativa.


👉 O que deveria mudar?

É aqui que entra o segundo estudo — “O conceito de regionalização do SUS e seu tempo histórico”, assinado por Guilherme Arantes Mello, Marcelo Demarzo e Ana Luiza D’Ávila Viana.

Os autores argumentam que o modelo clássico de regionalização do SUS se esgotou. Criado com uma lógica administrativa burocrática — que dividia o mapa, descentralizava atribuições e ponto — ele não consegue mais dar conta das redes urbanas complexas, da mobilidade da população ou das enormes diferenças de arrecadação entre municípios.

Eles defendem que a regionalização precisa ser redefinida como estratégia de desenvolvimento regional, com características muito diferentes:

✅ Planejamento conjunto entre Estado e municípios, superando fragmentação e disputas locais
✅ Financiamento articulado para equalizar desigualdades na capacidade de gasto
✅ Integração entre atenção básica, média e alta complexidade em redes regionais de cuidado
✅ Articulação com outras políticas públicas — transporte, educação, habitação — para enfrentar determinantes sociais da saúde

Em outras palavras: não basta exigir que cada município invista 15% de sua receita se não houver esforço para equilibrar as capacidades de financiamento e garantir o acesso universal e equitativo à saúde em todo o território.

“Regionalização não pode ser só descentralização de burocracia. Tem que virar estratégia de desenvolvimento que articule Estado e municípios para reduzir desigualdades”, defendem os pesquisadores.


Para os gestores

Esses estudos são leitura obrigatória para quem trabalha com planejamento em saúde. Eles oferecem diagnósticos concretos — com dados — e argumentos teóricos robustos para mostrar por que a regionalização do SUS precisa mudar para garantir o direito constitucional à saúde para todos.

Sem esse redesenho, o risco é perpetuar o cenário em que alguns municípios conseguem bancar um SUS de primeira, enquanto outros ficam com serviços precários, perpetuando desigualdades históricas.


🔗 LEIA MAIS

  • “A regionalização e o financiamento do SUS na Região Metropolitana da Baixada Santista” (Natália Cairo Lara e Áquilas Mendes, 2015)
  • “O conceito de regionalização do SUS e seu tempo histórico” (Guilherme Arantes Mello, Marcelo Demarzo e Ana Luiza D’Ávila Viana, 2019)

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