A edição de abril-junho de 2025 da Revista do Serviço Público (RSP) trouxe um presente inesperado e necessário para estudantes, pesquisadores e gestores públicos brasileiros: a tradução integral para o português do ensaio “The Policy Orientation”, escrito em 1951 por Harold D. Lasswell, um dos fundadores das Ciências das Políticas Públicas.
Quase 75 anos depois, o texto soa como um diagnóstico ácido dos vícios que persistem no nosso campo: tecnocratismo deslumbrado, fragmentação disciplinar, fuga dos problemas estruturais. Lasswell não se contenta com “método” como fetiche: ele exige a pergunta mais incômoda — para quê?
“A abordagem político-administrativa põe ênfase nos problemas fundamentais do ser humano em sociedade, e não nas questões tópicas do momento.”
Essa provocação atravessa o tempo e chega como um soco em 2025. Em um Brasil que ainda trata políticas públicas como “planos de governo” fragmentados, com respostas imediatistas para crises emergenciais, Lasswell chama atenção para o que é negligenciado: a desigualdade estrutural, a violência institucional, a fome e o racismo, que se reproduzem por meio de políticas mal desenhadas ou deliberadamente excludentes.
🎯 O método como meio, não como fim
Lasswell já via nos anos 1950 um risco de culto ao método quantitativo, usado como álibi para evitar o mundo real. Para ele, o método é ferramenta, não religião:
“A batalha pelo método está ganha. É provável que os cientistas sociais estejam suficientemente seguros para tomarem o método como favas contadas e darem ênfase à escolha de problemas significativos.”
Em 2025, o Brasil adora painéis de controle, big data, governo digital. Mas… está escolhendo os problemas certos? Ou está gerindo desigualdades com dashboards coloridos?
🧭 Ciências políticas da democracia
Outro achado fundamental é a noção de “ciências políticas da democracia”. Lasswell defende uma ciência política que não seja neutra ou cínica, mas que tenha por objetivo a dignidade humana.
Para o Brasil de hoje, com desigualdades extremas e crises democráticas cíclicas, essa é uma provocação viva. Fica a pergunta: estamos formando policy makers para sustentar a democracia ou apenas para manter o status quo?
🌎 Um olhar global e histórico
Lasswell enfatiza que a ciência política precisa ter uma perspectiva global, enxergar o passado e o futuro como parte do problema. Para um Brasil afetado por cadeias globais, pela crise climática e por desigualdades regionais históricas, o recado é claro: não há política pública relevante sem compreensão histórica e visão internacional.
🛠️ Modelos e imaginação política
Ele também valoriza o uso criativo de modelos, não como abstração vazia, mas como instrumento para enfrentar instituições complexas. Ele elogia o New Deal como exemplo de modelo inovador que evitou soluções autoritárias para uma crise brutal.
Para o Brasil, a lição é atual: sem novas ideias, sem imaginação política, sem coragem de remodelar instituições, continuaremos gerenciando tragédias em vez de preveni-las.
A tradução de The Policy Orientation em 2025 não é apenas um ato acadêmico ou histórico. É um convite (ou ultimato) para o campo de políticas públicas no Brasil.
É hora de perguntar “conhecimento para quê?” e encarar a resposta de frente: para resolver os problemas fundamentais, construir democracia real e enfrentar as desigualdades que envergonham nosso projeto de nação.
📌 Referência
LASSWELL, Harold D. A orientação política do conhecimento. Tradução de Francisco Gabriel Heidemann. Revista do Serviço Público (RSP), Brasília, v.76, n.2, p.179-197, abr./jun. 2025. Disponível em: https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/issue/view/503/629.
