PF revela espionagem na era Bolsonaro: jornalistas, ativistas e até mães foram alvo da “Abin Paralela”

A revelação caiu como uma bomba, mas não deveria causar espanto: o Supremo Tribunal Federal (STF) retirou o sigilo de um relatório da Polícia Federal que escancara como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) foi usada como instrumento de perseguição política durante o governo de Jair Bolsonaro.

Entre 2019 e 2021, a Abin — ou melhor, sua célula clandestina, apelidada de “Abin Paralela” — realizou mais de 60 mil consultas ilegais com o sistema israelense de espionagem First Mile, rastreando em tempo real a localização de celulares e a rotina de centenas de pessoas. O alvo? Qualquer um que ousasse ser incômodo: jornalistas, professores, ativistas, ministros do STF, caminhoneiros grevistas, opositores políticos e até aliados críticos.

O jornalista Leandro Demori, então editor do The Intercept Brasil, descobriu que seu CPF havia sido usado em um golpe de clonagem de chip. Anos depois, a PF revelou que a espionagem contra ele era parte de um esquema orquestrado por dentro da Abin, articulado com dossiês forjados como o famoso “Pavão Misterioso”. O ataque, segundo a PF, foi alimentado com dados coletados por agentes públicos utilizando o próprio First Mile.

Não parou aí. A jornalista Luiza Bandeira, ao denunciar uma rede de desinformação bolsonarista no Facebook, teve não só ela como sua mãe rastreada. A ordem partiu do então número dois da Abin, com o objetivo explícito de “futucar” a vida da repórter até encontrar “podres”. A mesma expressão aparece dirigida a Reinaldo Azevedo, colunista que migrou do conservadorismo à crítica dura à extrema direita — um dos mais de 12 jornalistas formalmente espionados.

A lista de alvos inclui ainda a repórter Alice Maciel, da Agência Pública, e o escritor e apresentador Pedro César Batista, cuja atuação em defesa da causa palestina e contra o governo Bolsonaro motivou, segundo a PF, ao menos 43 rastreamentos telefônicos ilegais em sete dias.

A expressão “achar podres” tornou-se o slogan macabro de uma era. Para a PF, a Abin Paralela funcionava como um braço clandestino do governo para eliminar reputações, minar adversários e vigiar críticos. Um Estado dentro do Estado, financiado com dinheiro público e movido a paranoia ideológica.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), a partir do relatório, está orientando os profissionais da imprensa a registrarem denúncias formais junto ao Observatório da Violência contra Jornalistas do Ministério da Justiça. A coordenadora jurídica da entidade, Letícia Kleim, lembra: a extensão da espionagem segue desconhecida. Muitos jornalistas ainda nem sabem que foram espionados.

A grande pergunta permanece: o que foi feito com essas informações? E o mais preocupante: quem ainda as detém?

O ex-presidente Jair Bolsonaro, em ato recente, declarou abertamente o desejo de “construir um governo paralelo” a partir de 2027. À luz das revelações sobre a Abin, soa menos como ameaça retórica e mais como continuidade programada de um projeto de poder que trata adversários como inimigos e instituições como obstáculos.

📄 A íntegra do relatório da PF está disponível após decisão do STF:
https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-retira-sigilo-de-investigacao-sobre-uso-de-programa-secreto-pela-abin/

📚 Reportagem original por LatAm Journalism Review:
https://latamjournalismreview.org/pt-br/articles/como-abin-espionou-jornalistas-durante-governo-bolsonaro-segundo-pf/


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