Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) lança luz sobre os obstáculos enfrentados por municípios de pequeno porte na efetivação da transparência fiscal. Focando no caso de Boca do Acre, no interior do Amazonas, a pesquisa analisou a aplicação das Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (NBCASP) e revelou uma série de entraves técnicos, operacionais e comunicacionais que comprometem o controle social e a responsabilização pública.
Apesar de a legislação brasileira contar com um marco normativo robusto — que inclui a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), a Lei da Transparência (2009) e as NBCASP, alinhadas a padrões internacionais —, o estudo aponta que a adesão formal às normas não tem garantido, na prática, uma gestão contábil acessível, padronizada e compreensível para a população. Entre os problemas observados estão a ausência de auditorias internas regulares, a desatualização dos relatórios contábeis e a prevalência de uma linguagem excessivamente técnica, que dificulta a leitura dos dados por cidadãos não especializados.
O Portal da Transparência do município, por exemplo, embora atenda parcialmente aos requisitos legais, apresenta baixo nível de usabilidade e não oferece versões simplificadas dos demonstrativos financeiros. Esse descompasso entre normatização e aplicabilidade fragiliza a função pedagógica da contabilidade pública, que deveria atuar como ferramenta de cidadania e fiscalização democrática.
Os autores do estudo destacam ainda que a baixa qualificação técnica da equipe contábil, a ausência de processos sistemáticos de controle interno e a falta de investimento em infraestrutura digital agravam a distância entre o que está previsto nas normas e o que é efetivamente praticado. No caso de Boca do Acre, mesmo com uma estrutura contábil formalizada, a adoção das NBCASP ocorre de forma parcial, com forte dependência de práticas tradicionais e pouca padronização das demonstrações.
Para os pesquisadores, a superação desses desafios exige não apenas ajustes técnicos, mas um compromisso político-institucional com a transparência ativa e a governança democrática. Isso implica capacitação contínua dos servidores públicos, fortalecimento dos mecanismos internos de controle e desenvolvimento de canais de comunicação mais acessíveis à sociedade civil. Sem essas medidas, alertam, o risco é que a contabilidade pública se torne um ritual burocrático, incapaz de cumprir seu papel central: garantir a ética na gestão dos recursos públicos e permitir que o cidadão exerça, de fato, o controle sobre o que lhe pertence.
Referência:
GOMES, Ana Clara de Lima et al. Contabilidade pública municipal: desafios para a transparência e responsabilidade fiscal no Amazonas. Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, Curitiba, v. 23, n. 7, p. 01–11, 2025. DOI: 10.55905/oelv23n7-121.
