Inteligência artificial na cobrança da dívida ativa: estudo aponta riscos de automação sem controle público

A aplicação de inteligência artificial (IA) na administração pública tem sido vendida como um remédio milagroso para a burocracia. Mas no campo das execuções fiscais, onde o Estado age para cobrar dívidas da população e empresas, essa automação traz desafios éticos, jurídicos e democráticos. É o que mostra o artigo “A implementação da Inteligência Artificial nos processos de execuções fiscais: limites e possibilidades”, assinado por Fernando Saraiva Souza Filho e Luciana Neves Gluck Paul, da Universidade Federal do Pará (UFPA).

O estudo, publicado em 2025, examina a incorporação de sistemas inteligentes nas Procuradorias Fiscais com o objetivo de otimizar a recuperação de créditos inscritos em dívida ativa. A pesquisa destaca que a lentidão e o alto índice de insucesso das execuções fiscais — que consumem grande parte do tempo do Judiciário — abrem espaço para soluções automatizadas. No entanto, os autores alertam para riscos relevantes relacionados ao uso acrítico de IA no setor público, especialmente quando envolve decisões que afetam diretamente os direitos dos contribuintes.

Otimizar sem esmagar direitos

A partir de análise documental e bibliográfica, o artigo apresenta exemplos de iniciativas já em curso no Brasil, como sistemas de triagem automatizada e algoritmos que classificam processos segundo critérios de recuperabilidade. Embora haja avanços, como a racionalização de petições e redução de litígios improdutivos, o estudo enfatiza que eficiência não pode ser confundida com arbitrariedade digital.

“Não se pode admitir que a lógica algorítmica substitua o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório”, afirmam os autores.

Entre os principais limites destacados estão:

  • a opacidade dos algoritmos usados por empresas terceirizadas;
  • o risco de replicação de vieses já presentes na máquina pública;
  • a falta de marcos regulatórios específicos para IA na administração tributária;
  • e o déficit de controle social sobre as decisões automatizadas.

IA sim, mas com critérios públicos e transparência

Souza Filho e Gluck Paul não negam o potencial transformador da IA no setor público — pelo contrário. Mas defendem que sua adoção deve seguir princípios republicanos: transparência, responsabilidade, proporcionalidade e finalidade pública. Para isso, propõem:

  • Criação de marcos regulatórios específicos para uso de IA no fisco;
  • Participação de órgãos de controle e da sociedade civil na formulação dos sistemas;
  • Garantia de que nenhuma decisão com impacto direto seja tomada sem supervisão humana qualificada.

Em tempos de cruzada tecnocrática pela digitalização de tudo, o artigo atua como um freio reflexivo necessário: automatizar a máquina estatal é legítimo, mas não pode significar robotizar a justiça tributária nem apagar os direitos dos mais vulneráveis.


Referência
SOUZA FILHO, Fernando Saraiva; PAUL, Luciana Neves Gluck. A implementação da Inteligência Artificial nos processos de execuções fiscais: limites e possibilidades. Universidade Federal do Pará, 2025.

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