Uma revisão bibliográfica publicada na Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação revelou um dado alarmante: a taxa de suicídio entre crianças indígenas no Brasil chega a ser 18,5 vezes maior que entre crianças não indígenas, com índices igualmente elevados entre adolescentes. A pesquisa, assinada por David Silva de Avilar, Elizeth Alves Cerqueira, Esmeralda Teixeira de Oliveira, Marta dos Santos Gama, Sávio Kotxiri Javaé e Halline Cardoso Jurema, aponta que o fenômeno está diretamente ligado a um conjunto de fatores históricos, sociais e culturais — e que a enfermagem, se atuar de forma intercultural, pode desempenhar papel decisivo na prevenção.
Entre os principais fatores de risco identificados estão a perda e a invasão de territórios, o preconceito, a invisibilidade cultural, o racismo institucional, o enfraquecimento das práticas tradicionais e a dificuldade de acesso a serviços de saúde. Some-se a isso a imposição de um modelo biomédico que ignora cosmologias indígenas e desconsidera a espiritualidade e as redes comunitárias como parte essencial do cuidado.
A pesquisa destaca que o impacto é especialmente severo entre jovens e crianças, que vivenciam não apenas a ruptura com o território e a cultura, mas também o convívio com episódios de suicídio em seus círculos próximos — fator que aumenta a vulnerabilidade. Em alguns povos, o suicídio é interpretado também por dimensões espirituais, como a ação de “estragos” ou “feitiços”, o que exige uma abordagem de saúde que vá muito além da prescrição médica.
É nesse cenário que a enfermagem pode se tornar linha de frente na prevenção, desde que atue com escuta ativa, respeito aos saberes tradicionais e articulação com lideranças comunitárias. O estudo defende que enfermeiros e enfermeiras precisam ser formados para o trabalho intercultural, rompendo com o atendimento padronizado e reconhecendo as formas próprias de compreender e tratar o sofrimento psíquico.
Para os autores, é urgente qualificar equipes de saúde para integrar práticas ocidentais e indígenas, superar o racismo institucional e fortalecer redes de apoio locais. “Sem isso, as estatísticas continuarão denunciando não apenas uma crise sanitária, mas uma crise de humanidade”, concluem.
Referência:
AVILAR, David Silva de et al. Depressão e o suicídio entre indígenas: uma análise do papel da enfermagem na prevenção. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 11, n. 8, p. 620-636, ago. 2025. DOI: 10.51891/rease.v11i8.19821.
