O legado da pandemia na educação superior: o neotecnicismo e a mercantilização da crise

Por Redação Archa

A pandemia de COVID-19 não apenas fechou universidades — ela escancarou um projeto político.


O artigo “O legado da pandemia na educação superior: para além do ensino remoto emergencial” (Revista DCS, 2025), de Ionah Beatriz Beraldo Mateus, Ademir Nunes Gonçalves, Mariulce da Silva Lima Leineker, Ernando Brito Gonçalves Junior e Odinei Fabiano Ramos, propõe uma leitura contundente: o ensino remoto foi menos uma resposta à crise e mais um acelerador da mercantilização da educação brasileira.

A pesquisa mostra como o discurso de “continuidade educacional” mascarou a exclusão digital de milhões de estudantes e a precarização das condições docentes. A promessa de democratização tecnológica resultou, na prática, em uma escola ainda mais desigual. “A pandemia funcionou como um espelho cruel”, escrevem os autores, “refletindo as fraturas sociais e pedagógicas de um país que transformou o acesso à internet em privilégio de classe.

Ao analisar os desdobramentos do ensino remoto emergencial, o estudo identifica o surgimento do “neotecnicismo digital” — termo que designa a redução da prática docente à operação instrumental de plataformas. Professores foram treinados para clicar, compartilhar e transmitir, mas sem o devido suporte pedagógico e reflexivo. O ensino, assim, perdeu parte de sua dimensão política e crítica, tornando-se refém de uma pedagogia da interface que prioriza o funcionamento técnico em detrimento da formação humana.

O texto também denuncia a mercantilização da crise educacional, evidenciando que empresas de tecnologia e plataformas digitais se beneficiaram de contratos emergenciais com recursos públicos. As soluções padronizadas substituíram o planejamento pedagógico contextualizado — um reflexo direto da homogeneização cultural imposta pelo capital, como já alertava Dos Santos (2019).

No plano macro, o artigo conecta a precarização universitária ao avanço de uma racionalidade ultraliberal que desfinanciou o ensino público e esvaziou a função social da universidade. “O desmonte da educação superior não é acidente de gestão, mas estratégia de poder”, concluem os autores, associando a pandemia a um processo mais amplo de erosão do conhecimento crítico e da autonomia intelectual.

O legado da pandemia, portanto, não é apenas o trauma do isolamento, mas a urgência de reconstruir uma universidade capaz de resistir à lógica do lucro e da tecnocracia. “A educação não é um serviço a ser prestado — é uma experiência a ser vivida coletivamente”, afirmam, defendendo que a verdadeira inovação pós-pandêmica precisa recolocar o humano no centro da educação.


Referência
MATEUS, Ionah Beatriz Beraldo; GONÇALVES, Ademir Nunes; LEINEKER, Mariulce da Silva Lima; GONÇALVES JUNIOR, Ernando Brito; RAMOS, Odinei Fabiano. O legado da pandemia na educação superior: para além do ensino remoto emergencial. Revista DCS, v. 22, n. 83, p. 1–16, 2025. DOI: 10.54899/dcs.v22i83.3646.

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