Um artigo recém-publicado na Revista SCIAS – Direitos Humanos e Educação (v. 8, n. 2, 2025) reacende o debate sobre o papel da educação infantil na desconstrução do racismo e na valorização dos saberes indígenas. Intitulado “Saberes indígenas, saberes selvagens — por uma educação infantil antirracista”, o texto é assinado pela professora e pesquisadora Fernanda Ferreira de Oliveira, doutora em Educação pela UNIMEP e docente da rede municipal de Piracicaba (SP).
A autora revisita sua própria prática docente e propõe uma pedagogia inspirada em epistemologias indígenas e contracoloniais, articulando pensamento e experiência em torno do projeto “Povos Indígenas do Brasil — As crianças pequenas como construtoras de utopias selvagens”, desenvolvido com turmas de 4 a 6 anos. A investigação partiu da revisão de documentos pedagógicos produzidos em 2023, durante o projeto, e se ancora na Lei nº 11.645/2008, que torna obrigatória a inclusão da história e da cultura afro-brasileira e indígena na educação básica36.+Saberes+indígenas.
Mais do que incluir conteúdos, a proposta rompe com o currículo eurocêntrico e convida a repensar o próprio conceito de infância. Oliveira se apoia em pensadores como Ailton Krenak, Daniel Munduruku, Geni Núñez e Nego Bispo, para afirmar que “o selvagem” é vida em comunhão — não barbárie, mas potência de existir em comunidade e resistência à dominação colonial”36.+Saberes+indígenas.
O artigo destaca vivências em que o conhecimento se dá pelo corpo e pela experiência: oficinas de grafismo, culinária tradicional, brincadeiras indígenas e rodas de conversa com representantes de povos originários. Um dos momentos mais marcantes foi a exposição final do projeto, com produções das crianças e a presença de um guerreiro do povo Kariri-Xocó — um encontro que, segundo a autora, simbolizou “o ato de criar piolho”, expressão usada por Munduruku para designar saberes que se espalham e incomodam, provocando transformação36.+Saberes+indígenas.
Para Fernanda, a educação antirracista começa na escuta e na convivência: “Não basta ensinar sobre os povos indígenas, é preciso viver com eles — permitir que suas histórias, vozes e cosmologias nos desorganizem, como o milho que estala e se reinventa na pipoca”, escreve.
O texto conclui com um chamado à ação: “Descolonizar é um verbo coletivo. Assim como o milho vira pipoca junto, no mesmo calor, a educação infantil antirracista só se faz no encontro — com os saberes da aldeia, com as vozes das crianças, com a coragem de questionar nossa própria formação.”
📖 Referência:
OLIVEIRA, Fernanda Ferreira. Saberes indígenas, saberes selvagens – por uma educação infantil antirracista. Revista SCIAS – Direitos Humanos e Educação, Belo Horizonte, v. 8, n. 2, p. 686-707, jul./dez. 2025.
