Brasil envelhece antes de se estruturar: estudo aponta pressão inédita sobre o SUS

O Brasil está envelhecendo em velocidade recorde — e muito antes de ter resolvido problemas históricos na Atenção Primária, no financiamento e na capacidade de resposta do Sistema Único de Saúde (SUS). É o que mostra o estudo Envelhecimento populacional e seus impactos no Sistema Único de Saúde (SUS), publicado na Revista DELOS, que reúne uma síntese robusta sobre como a transformação demográfica afeta diretamente o cuidado, os custos e a organização da saúde pública no país. O artigo, assinado por Aline Fernanda Rocha, Thaís Souza Werneck da Costa e Paulo Cavalcante Apratto Júnior, analisa evidências recentes e projeta um cenário que exige decisões estratégicas imediatas para evitar colapsos futuros.

O estudo parte de uma constatação que já se tornou consenso entre demógrafos e sanitaristas: o Brasil envelheceu rápido demais. Em 2010, havia cerca de 30 idosos para cada 100 jovens; em 2022, esse índice saltou para 55,2%. As projeções são ainda mais contundentes — em 2060, quase um terço da população terá mais de 65 anos. O impacto desse movimento é nítido: aumenta a prevalência de doenças crônicas, cresce o número de internações prolongadas e amplia-se a demanda por cuidados continuados, justamente em um sistema que foi desenhado, historicamente, para lidar com agravos agudos, intervenções pontuais e respostas emergenciais.

As autoras mostram, com base em diversos estudos revisados, que a transição epidemiológica empurra o SUS para um novo patamar de complexidade. A Atenção Primária à Saúde (APS) torna-se o eixo central — e insuficientemente financiado — de um modelo que precisa cuidar de pacientes com múltiplas comorbidades, polifarmácia, dependência progressiva e quadros clínicos que exigem acompanhamento prolongado. Essa pressão é reforçada pelos dados do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), que indicam que mais de 75% dos idosos dependem exclusivamente do SUS.

O artigo evidencia, ainda, desafios estruturais: a APS carece de integração plena com a média e alta complexidade; mecanismos de contrarreferência são frágeis ou inexistentes; e a expansão da formação de geriatras avança, mas ainda não cobre as necessidades do país. A própria Política Nacional da Pessoa Idosa, embora seja um marco relevante, não tem sido capaz de enfrentar o ritmo acelerado das demandas associadas à longevidade.

As autoras também chamam atenção para outro ponto sensível: o cuidado integral ao idoso não se limita ao setor saúde. Depressão, ansiedade social, isolamento, perda de autonomia e fragilidade estão entre os fatores que agravam o quadro clínico e ampliam custos. Nesse sentido, o estudo destaca a importância das redes de apoio, das práticas intergeracionais e da promoção do envelhecimento ativo — elementos frequentemente negligenciados no planejamento público, mas essenciais para reduzir hospitalizações e melhorar a qualidade de vida.

Na análise final, os autores concluem que o Brasil vive uma encruzilhada: ou realiza uma reestruturação consistente do SUS — com financiamento adequado, fortalecimento da APS, integração entre níveis de atenção e expansão de serviços de longa duração — ou enfrentará um cenário de pressão insustentável sobre o sistema público nas próximas décadas. O envelhecimento brasileiro é uma conquista civilizatória, mas sem planejamento robusto torna-se também um vetor de desigualdade, morbidade e colapso assistencial.


Referência (ABNT)

ROCHA, Aline Fernanda; COSTA, Thaís Souza Werneck da; APRATTO JÚNIOR, Paulo Cavalcante. Envelhecimento populacional e seus impactos no Sistema Único de Saúde (SUS). Revista DELOS, Curitiba, v. 18, n. 74, p. 1-22, 2025. Delos+163


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