Quando o remédio vira sentença: judicialização da saúde e o dilema dos medicamentos fora do SUS

O direito à saúde, garantido pela Constituição de 1988, virou um campo de batalha judicial. A promessa de universalidade do Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta, cada vez mais, a realidade dos processos que chegam aos tribunais para garantir o acesso a medicamentos que o sistema público não oferece. É esse o tema central do artigo “Medicamentos não padronizados pelo Sistema Único de Saúde: a judicialização como meio de garantia ao acesso”, assinado por Amanda Frinhani de Campos e Matheus Soprani Lopes da Silva, publicado na Revista Multidisciplinar do Nordeste Mineiro (v.19, 2025).

O estudo analisa como a judicialização da saúde — antes exceção — tornou-se um fenômeno permanente na busca por medicamentos não padronizados. Esses são os remédios que não constam nas listas oficiais do SUS, mas que pacientes e médicos consideram essenciais. Segundo os autores, o movimento cresce como resposta à ineficiência administrativa e à lentidão das políticas públicas, deixando o Judiciário como última instância de esperança para quem depende do tratamento.

A pesquisa revisa decisões recentes dos Tribunais Superiores, com destaque para os Temas 793 e 1234 do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tema 106 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esses precedentes definem, entre outros pontos, que os entes federativos — União, Estados e Municípios — são solidariamente responsáveis pelo fornecimento de medicamentos, mas também estabelecem critérios técnicos rigorosos para a concessão judicial de fármacos fora das listas do SUS.

Um dos principais requisitos, destacam os autores, é a apresentação de laudo médico fundamentado. O documento precisa comprovar a necessidade clínica do medicamento e a ineficácia dos tratamentos já oferecidos pelo SUS — exigência que, na prática, acaba se tornando um obstáculo para a população mais vulnerável, que depende da rede pública e da Defensoria para reunir as provas exigidas.

A judicialização, portanto, aparece como um mecanismo paradoxal: garante a efetividade imediata do direito à saúde, mas também expõe a falência do Estado em cumprir sua obrigação constitucional. De um lado, as decisões salvam vidas. De outro, pressionam orçamentos e criam desigualdades — afinal, quem consegue judicializar tem mais chances de receber o medicamento do que quem aguarda na fila.

Os autores concluem que o desafio é encontrar equilíbrio entre o direito individual e o interesse coletivo, construindo políticas que evitem que cada receita médica vire um processo judicial. A judicialização, afirmam, não deve ser criminalizada — mas compreendida como um sintoma da omissão estatal e um instrumento legítimo de cidadania.

📖 Referência:
CAMPOS, Amanda Frinhani de; SILVA, Matheus Soprani Lopes da. Medicamentos não padronizados pelo Sistema Único de Saúde: a judicialização como meio de garantia ao acesso. Revista Multidisciplinar do Nordeste Mineiro, v.19, 2025. DOI: 10.61164/apeehr38.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

search previous next tag category expand menu location phone mail time cart zoom edit close