UFSC: tese investiga coautoria e “encontrografia” na poesia brasileira contemporânea

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) recebeu, em 2025, a defesa da tese Escrever com: coautoria e encontrografia na poesia brasileira contemporânea, de Luciéle Bernardi de Souza, sob orientação do Prof. Dr. Jorge Hoffmann Wolff. O trabalho propõe uma releitura do papel do autor na literatura brasileira atual, tomando como ponto central a coautoria como prática estética, ética e relacional.

A pesquisa parte de uma constatação incômoda, mas recorrente no campo literário: apesar de a escrita coletiva ser antiga e frequente — seja por razões editoriais, históricas ou culturais —, as coautorias são ignoradas, subestimadas ou tratadas como exceção. Luciéle demonstra que esse apagamento não é casual; ele decorre de um modelo europeu de autoria individualista consolidado na modernidade, que elevou o autor ao estatuto de “gênio criador”, mesmo quando a obra resulta de diálogos, montagens e relações compartilhadas.

Para tensionar essa lógica, a autora propõe o conceito de encontrografia, uma abordagem que toma o encontro — e não o indivíduo — como elemento estruturante da escrita. Em vez do “eu lírico” centralizado, surge o “nós lírico”, expressão de uma convivência criativa que se materializa no texto, na montagem, na diagramação e nas múltiplas formas de editar um livro a quatro mãos.

O corpus analisado reúne obras de Ana Martins Marques, Eduardo Jorge, Marcos Siscar, Alice Ruiz, Rodolfo Guttilla, Ricardo Aleixo e Edimilson de Almeida Pereira — poetas reconhecidos que, em projetos distintos, repensam a autoria a partir da parceria deliberada. A tese ainda dialoga com produções indígenas escritas em processo colaborativo, destacando como essas narrativas desmontam a noção ocidental de autoria individual, marcada por colonialidade e apagamentos históricos.

Lucíele defende que a coautoria contemporânea não apenas perturba a função autor moderna, mas propõe modos de convivência e criação não institucionalizados, em sintonia com movimentos que reivindicam coletividade, horizontalidade e novas formas de existência em meio a um cenário social marcado pelo individualismo.

Ao final, a pesquisa reafirma que toda autoria é plural — e que reconhecer seus múltiplos gestos é também reconhecer outras epistemologias, afetos e modos de vida que sempre estiveram presentes na literatura, mas raramente recebiam o devido destaque.


Referência

SOUZA, Luciéle Bernardi de. Escrever com: coautoria e encontrografia na Poesia Brasileira Contemporânea. 2025. 362 f. Tese (Doutorado em Literatura) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2025. PLIT1001-T


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