2026: O ano do corte. Novo modelo federal da APS exige reorganização urgente das equipes municipais


A partir de janeiro de 2026, o financiamento federal da Atenção Primária à Saúde (APS) entrará em sua fase definitiva. O que até agora foi tratado como transição — com todos os municípios recebendo repasses simulados na “faixa boa” — se tornará uma régua concreta: quem não cumprir os critérios de desempenho, qualidade e vínculo com a população, terá o orçamento cortado. Essa mudança, prevista pela Portaria GM/MS nº 3.493/2024, não é apenas técnica. É política. E pode significar a diferença entre uma rede local fortalecida ou em colapso.

O novo modelo, que começou a vigorar em maio de 2024, reformula completamente a lógica de distribuição dos recursos federais. Sai de cena o Previne Brasil, entram sete novos componentes de repasse, com destaque para o Componente Fixo, o Componente Vínculo e Acompanhamento Territorial e o Componente Qualidade. Todos eles dependem de fatores que estão nas mãos do município: qualidade dos cadastros, vínculo real da população com as equipes e o desempenho das práticas assistenciais.

Mas o que muda de fato em 2026?

Simples: os indicadores começarão a valer de verdade. Até dezembro de 2025, todos os municípios continuam recebendo como se estivessem na categoria “Bom”, independentemente do que entregam. Isso significa que 2025 é uma corrida contra o tempo: é preciso testar sistemas, revisar cadastros, fortalecer equipes, engajar usuários e ajustar fluxos de cuidado. Caso contrário, em janeiro de 2026 os cortes virão — silenciosos, automáticos e sem aviso prévio.

A pontuação que vai definir o volume de recursos dependerá de 15 indicadores: diabetes, hipertensão, saúde bucal, gestantes, idosos, acesso e até satisfação da população via aplicativo Meu SUS Digital. Se o município não tiver estrutura para registrar, comprovar e qualificar essas ações, perderá verba. E o impacto não será apenas técnico: comprometerá as condições básicas de funcionamento da APS local.

Um estudo realizado com 645 municípios paulistas revelou que, embora 98,5% tenham registrado aumento médio de recursos desde a adoção da nova regra, os maiores ganhos ocorreram nos municípios de menor vulnerabilidade. Ou seja, mesmo com um novo índice (o IED) que tenta corrigir distorções históricas, os municípios mais organizados e estruturados seguem se beneficiando mais. O risco, agora, é que os mais frágeis — especialmente os pequenos e com redes precárias — enfrentem perdas adicionais em 2026.

A orientação para os gestores é clara: não esperem o corte para agir. Ainda em 2025, é necessário:

  • Garantir cadastros atualizados e qualificados (individuais e domiciliares);
  • Estimular a população a usar o aplicativo Meu SUS Digital para avaliação do atendimento;
  • Reforçar as práticas assistenciais de forma interprofissional;
  • Revisar o modelo de equipes — priorizando a Estratégia Saúde da Família;
  • Capacitar a retaguarda técnica para operar os indicadores do sistema SIAPS.

O modelo implantado pelo Ministério da Saúde representa, sim, um avanço em termos de critérios técnicos e incentivo à integralidade. Mas não haverá margem para improviso: 2026 será o ano do corte automático. E quem não tiver feito o dever de casa até lá, verá os impactos diretamente no cofre da saúde municipal.

Como toda reforma federativa, o sucesso do novo modelo depende menos da norma e mais da capacidade local de articulação, planejamento e escuta territorial. A hora de agir é agora — antes que a lógica de mérito técnico se transforme, mais uma vez, em vetor de exclusão silenciosa.


Referência

MELO, Mariana Alves. O novo modelo de alocação orçamentária da Atenção Primária em Saúde (Portaria MS 3.493/2024) e atualizações de 2025. Apresentação na Rede APS. São Paulo, 2025.


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