Por Antonio Archangelo para Portal Archa
Enquanto o Brasil ainda tropeça na busca por um modelo eficiente de renegociação de dívidas estaduais, outros países federativos já viveram — e aprenderam — com o “jogo do resgate”. É isso que analisa o artigo “O Jogo do Resgate da Dívida Pública no Canadá, nos Estados Unidos, no México e na Alemanha”, publicado na Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (v. 31, n. 1, 2025), de autoria do pesquisador Arthur Basso Galli (USP).
Galli investiga as formas jurídicas de intervenção federal em contextos de endividamento subnacional, explorando se os chamados modelos legalistas (baseados em normas legislativas) ou contratualistas (baseados em acordos administrativos) impactam a autonomia financeira dos entes federados e sua capacidade de adaptação às crises fiscais. A resposta é mais política do que jurídica.
Inspirado na Teoria dos Jogos, o artigo parte do conceito de “jogo do resgate”, onde Estados subnacionais — diante do risco de falência — esperam por um salvamento do governo central. Segundo a lógica estratégica, o ente local adia ajustes fiscais enquanto aguarda sinais de “resolutividade” por parte da União. Se o governo federal cede, paga-se o preço político do resgate; se nega, pode-se agravar a crise e corroer a estabilidade macroeconômica.
Esse impasse, repleto de incentivos perversos e assimetrias de informação, revela um dilema federativo: como equilibrar responsabilidade fiscal com solidariedade institucional?
Quatro países, quatro estratégias
Alemanha: com seu sofisticado federalismo cooperativo, baseia-se em forte atuação constitucional, decisões judiciais e acordos administrativos. O caso Bremen/Saarland é paradigmático: a Corte Constitucional obrigou a União a socorrer os entes em dificuldades, sob pena de violar a igualdade de condições de vida. O Conselho de Estabilidade, criado em 2009, tornou-se um modelo de coordenação federativa.
México: marcado por forte centralização fiscal e alinhamento político entre União e estados, adota mecanismos administrativos como o Programa de Fortalecimento Financeiro dos Estados. Aqui, os resgates são condicionados a cartas de intenções e ajustes fiscais com viés neoliberal, sem que a União assuma diretamente as dívidas.
Canadá: segue o oposto. Com baixa institucionalização formal e forte cultura de acordos políticos, o país evita interferência federal direta. No caso da província de Saskatchewan (1993), a ajuda foi discreta, coordenada com o Banco do Canadá e sem imposições legislativas ou administrativas.
Estados Unidos: preferem o “não resgate”, com forte disciplina via mercado. Mas o emblemático caso de Nova York, em 1975, desafiou esse paradigma: o governo federal ofereceu um empréstimo-ponte para garantir a liquidez do município, enquanto o Estado de NY impôs um severo ajuste fiscal. Sem protagonismo da União, a solução foi liderada por autarquias estaduais.
E o Brasil?
Embora o artigo não analise o caso brasileiro em profundidade, ele oferece pistas para pensar nossos próprios impasses. Afinal, como lidar com estados endividados sem reforçar a lógica da dependência fiscal ou da chantagem política? O texto alerta: a forma jurídica da intervenção importa menos do que o contexto político e o poder de negociação da União.
Num país marcado por desigualdades regionais e um histórico de centralização autoritária, a lição é clara: é preciso combinar responsabilidade fiscal com justiça federativa — e isso não se resolve com canetadas ou convênios burocráticos.
Referência (ABNT):
GALLI, Arthur Basso. O jogo do resgate da dívida pública no Canadá, nos Estados Unidos, no México e na Alemanha. Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, v. 31, n. 1, 2025.
