Uma pesquisa conduzida pelo procurador do Estado do Paraná Bruno Gontijo Rocha revela que o volume crescente de emendas parlamentares impositivas tem produzido distorções na alocação de recursos da saúde pública, especialmente quando destinados à iniciativa privada sem considerar critérios regionais e epidemiológicos do Sistema Único de Saúde (SUS). O estudo, publicado na Revista Tributária e de Finanças Públicas (n. 165, 2025), analisa dados do Painel InvestSUS e 22 laudos técnicos da Secretaria Estadual de Saúde do Paraná, apontando um desalinhamento entre as prioridades legislativas e as necessidades assistenciais do sistema público.
O avanço do orçamento impositivo
Desde a Emenda Constitucional nº 86/2015, que instituiu a obrigatoriedade de execução das emendas individuais, o Legislativo passou a exercer maior poder sobre a destinação de verbas federais. O autor denomina esse processo de “marcha da impositividade”, uma virada que reduziu a discricionariedade do Executivo sobre o orçamento e ampliou o protagonismo dos parlamentares.
Segundo Rocha, embora essa mudança tenha fortalecido a representatividade local, ela também abriu brechas para decisões orçamentárias orientadas por interesses políticos e não por critérios técnicos ou de equidade sanitária.
A análise do autor se insere em um contexto mais amplo, marcado pelos julgamentos do Supremo Tribunal Federal sobre o chamado “orçamento secreto” (ADPFs 850, 851, 854 e 1014) e a atual Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7697, que questiona o próprio regime das emendas impositivas. Essas decisões do STF, segundo o estudo, expuseram a necessidade de transparência e coerência entre a destinação das verbas e os objetivos da República.
O caso do Paraná: concentração e desigualdade
Com base em dados de 2023, o estudo identificou 22 emendas parlamentares individuais que destinaram R$ 90,6 milhões a entidades privadas sem fins lucrativos vinculadas ao SUS no Paraná.
O problema, segundo Rocha, é que a maior parte dos recursos se concentrou em regiões com menor dependência da população em relação ao sistema público, contrariando o princípio constitucional de redução das desigualdades regionais.
A 2ª Região de Saúde, com sede em Curitiba, recebeu mais de 29% dos recursos, embora seja a menos dependente do SUS (62,7%) e detenha apenas 15% das entidades privadas conveniadas. Em contrapartida, regiões como União da Vitória, Irati e Francisco Beltrão, onde mais de 90% da população depende exclusivamente do sistema público, receberam valores ínfimos ou sequer foram contempladas.
“Os resultados indicam que o Legislativo, ao exercer sua função orçamentária, nem sempre observa o princípio de equidade previsto no artigo 165, §7º da Constituição Federal, que determina a redução das desigualdades inter-regionais”, escreve o autor.
Recursos públicos, gestão privada
O artigo também destaca que as emendas destinadas a entidades privadas foram majoritariamente voltadas à compra de equipamentos e reformas estruturais, e não à expansão direta de serviços hospitalares ou de atendimento à população.
Dos 126 repasses registrados, 118 foram destinados à aquisição de equipamentos, enquanto apenas 8 se referiram a obras e reformas, totalizando menos de 3% do valor aplicado.
Essa tendência reforça, segundo o estudo, uma “lógica de estruturação paralela”, em que o investimento público beneficia instituições privadas conveniadas, mas não necessariamente amplia a cobertura assistencial ou reduz gargalos regionais do SUS.
Impactos e perspectivas
O autor propõe que a execução das emendas parlamentares — especialmente na saúde — seja submetida a mecanismos intergestores de coordenação, como as comissões bipartite e tripartite do SUS, para evitar sobreposição de interesses e garantir critérios técnicos de priorização.
Além disso, defende a criação de critérios federativos vinculantes que obriguem a alocação proporcional de recursos conforme a dependência regional do sistema público e os indicadores epidemiológicos.
“O aperfeiçoamento do modelo exige diálogo institucional entre Executivo e Legislativo, de modo a garantir que o orçamento impositivo não se converta em orçamento desigual”, conclui Rocha.
Referência:
ROCHA, Bruno Gontijo. Emendas parlamentares impositivas e a destinação de recursos para a iniciativa privada no SUS. Revista Tributária e de Finanças Públicas, n. 165, São Paulo, 2025.
